Depressão é transtorno traiçoeiro que transforma a vida num fardo difícil de suportar.
Mesmo antes do coronavírus, já era considerada “o mal do século”. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a partir desta década, será a principal causa de absenteísmo, isto é, faltas no trabalho. Já o é, entre os que trabalham no mercado financeiro de São Paulo.
Parece paradoxal, porque a partir da Segunda Guerra centenas de milhões de pessoas tiveram acesso a alimentos de qualidade, serviços de saúde e níveis de conforto com os quais nossos antepassados não ousavam sonhar.
Embora a pobreza possa aumentar a prevalência de pessoas deprimidas nas sociedades, por que razões tantos que desfrutam de melhores condições financeiras desenvolvem um transtorno que lhes subtrai o prazer de viver?
Nas últimas décadas, a ênfase foi dada à biologia dos neurotransmissores, os sinais químicos que os neurônios trocam nas sinapses. A descrição das alterações na produção, na concentração e nas atividades desses mediadores envolvidos na fisiopatologia da doença levaram às sínteses de medicamentos antidepressivos para corrigir os desequilíbrios neuroquímicos associados a ela.
A despeito desses avanços, desarranjos na “química cerebral” não são suficientes para explicar o crescimento dessa prevalência na sociedade moderna. Sem invadir a seara dos especialistas, tomo a liberdade de enumerar dois dos fatores que talvez nos ajudem a entender.
A solução foi formar bandos. O agrupamento foi essencial à sobrevivência dos ancestrais do Homo sapiens, aqueles incapazes de organizar coalizões não deixaram descendentes. Desde então, a sensação de isolamento nos torna tão frágeis, que mal conseguimos suportar um sábado à noite, sozinhos, em casa.
Até a metade do século passado —um milionésimo de segundo em 6 milhões de anos— vivíamos em famílias numerosas que nasciam e se mantinham nos mesmos grupos, nas mesmas tribos ou em casas próximas, pelo resto da vida. De uma hora para outra, o progresso e a complexidade dos centros urbanos nos afastou uns dos outros. A solidão se tornou endêmica.
O segundo é a busca incessante da felicidade em ações, ambientes e relacionamentos que nos distanciam dela.
Desperdiçamos energia para adquirir status, bens, galgar posições sociais e exibir no Instagram e no Facebook fotos e comentários fúteis, para mostrar aos nossos seguidores como somos inteligentes, espirituosos, importantes e, sobretudo, felizes.
Superação, palavra insuportavelmente na moda, virou o mandamento supremo. Nada mais justifica a tristeza e o fracasso, a ordem é triunfar o tempo todo, para não sermos acusados de fracos, deprimidos e perdedores, portanto desprezíveis.
A expectativa de uma existência cor-de-rosa não estava no horizonte dos nossos antepassados, ocupados com o ganha-pão, as doenças, as guerras e as epidemias de fome.
A tecnologia que nos trouxe computadores, celulares e a internet foi a pá de cal. Entretidos com as telas dos telefones perdemos contato com os familiares e os amigos. O trabalho derrubou as fronteiras entre o escritório e a privacidade de nossas casas. Onde quer que estejamos, seremos bombardeados por mensagens de email, WhatsApp, Instagram, Twitter e o diabo que nos carregue.
A seleção natural não preparou o cérebro para lidar com tamanha variedade de estímulos e solicitações concomitantes. A incapacidade de atender à demanda gera sensação de incompetência, frustração e estresse.
A vida moderna se transformou numa engrenagem impiedosa que nos afasta dos valores essenciais à condição humana.
A dificuldade de lidar com a solidão é um enorme desafio nestes dias de distanciamento social. Manter o equilíbrio psicológico dentro de limites razoáveis, trancados em casa, amedrontados pelo vírus, longe das pessoas de quem gostamos, é privilégio de poucos.
A depressão e os transtornos de ansiedade deixarão sequelas mais duradouras do que a passagem do vírus.
Poste seu comentário