Renata Abalém e Yuri Carneiro Coelho / Estadão

O que era uma decisão do colegiado supremo no final do ano, tornou-se na manhã da última quarta-feira um escândalo midiático fiscal que deixou os comerciantes brasileiros, varejistas ou não, assombrados com a realidade que se lhes bate às portas.

É que o plenário da mais alta Corte do país, por maioria, criminalizou o não recolhimento do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, transformando em delito grave o que anteriormente era considerado mero inadimplemento tributário.

PRISÃO DO EMPRESÁRIO – O escândalo deveu-se à prisão do empresário que empresta o nome para a rede varejista Ricardo Eletro que, de acordo com jornais mineiros, deve para o governo de Minas Gerais quantia que se aproxima de 400 milhões de reais.

A prática perpetrada pelo empresário, se não corriqueira, não é de todo desconhecida do mercado, tanto é que, de acordo com a mídia daquele estado, outros tantos contribuintes estão na mira da Polícia, do Ministério Público e da Secretaria da Fazenda.

Mas essa história não é nova. E Ricardo, seja Eletro ou não, vai ser o exemplo nacional fiscal a não ser seguido.  As Secretarias de Fazenda Estaduais estão se preparando para uma ofensiva impar aos empresários que, de acordo com o STF, se apropriaram de indébito tributário e estão se “financiando” às custas do estado.

UMA PRÁTICA ANTIGA – Lá atrás, em 2018, o Estado de São Paulo divulgou que quase 200 mil contribuintes se valiam da prática fiscal de declarar o imposto mas não recolhê-lo aos cofres públicos, totalizando, naquela ocasião, mais de 89 bilhões de reais sonegados.

A pedra foi cantada à época pelas procuradorias responsáveis pelo contencioso tributário de cada ente federado, uma vez que naquele ano dois empresários de Santa Catarina, proprietários de uma loja de materiais infantis, tiveram Habeas Corpus negado pelo STJ que não entendeu que a prática seria simples inadimplemento fiscal, mas crime punível com seis meses a dois anos de detenção.

No final de 2019, a Secretaria da Fazenda da Bahia encaminhou à Procuradoria Geral do Estado e à Polícia Civil informações sobre 587 contribuintes que acumularam R$ 307 milhões em débitos declarados e não pagos. Em caso recente, o TJBA condenou um dos sócios de uma empresa de material médico a pagar uma indenização de R$ 90 mil como substituição de pena privativa de liberdade por ter cometido o crime de apropriação indébita tributária.

ENFRENTAMENTO – Agora, com a decisão do STF, os fiscos estaduais começaram a se organizar para o enfrentamento, que pode gerar um número muito maior de empresários criminalizados do que o apontado, pois, em regra, o Ministério Público tem buscado estender a responsabilidade penal aos sócios da empresa, aos seus diretores, administradores e gerentes financeiros.

E agora? É hora da onça beber água? Brincando ainda mais com os adágios, nem tudo é farinha do mesmo saco. É que o STF deixou, na decisão que está servindo de base para tais operações, espaços interpretativos que poderão ser utilizados na defesa dos empresários contribuintes, quando apontou que nem todo devedor de ICMS comete o delito, pois o inadimplente eventual distingue-se do devedor contumaz, que faz da inadimplência tributária seu modus operandi. Contudo, o risco empresarial existe e é evidente.

MEDIDAS DE PREVENÇÃO – O momento exige que as empresas adotem, imediatamente, medidas de prevenção adequadas, políticas de compliance e se cerquem de toda estratégia fiscal e legal cabíveis, inclusive, olhando para esse momento de pandemia quando as suas receitas caíram significativamente.

Ouso dizer que quem tem débito antigo de ICMS e que pode ser considerado como apropriação indébita tributária, que busque um remédio jurídico que lhe garanta tempo para a construção de uma política factível a fim de resolver a questão, afinal, não é demais imaginar que cada estado pode escolher o empresário que quiser para servir de exemplo.

 

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