Por Maurício Rands*

Como realçou Paulo Hartung (Estadão, 6/12), as eleições presidenciais não serão determinadas pelo resultado das municipais que acabamos de ter. Vai importar mais o que nos acontecerá em 2021 em relação à crise fiscal, econômica e social. Mas é fato que o eleitor emitiu sinais do seu humor. A polarização foi enfraquecida diante do envelhecimento precoce da “nova política” bolsonarista que, em 2018, havia surfado na rejeição ao PT e aos demais partidos da Lava-Jato. Mas a soma de brancos, nulos e abstenções – a não opção – frequentemente derrotou um ou os dois candidatos em 2º turno. A indicar que o sentimento antipolítica remanesce. E que ainda é forte a rejeição ao PT, como evidenciaram disputas como a do Recife em que os seus adversários ganharam a partir da exploração do lema “PT nunca mais”.

Os humores também foram no sentido do enfraquecimento de Bolsonaro. Perderam 2/3 dos candidatos abertamente apoiados por ele. Mesmo quando ainda estava vigente o auxílio-emergencial que talvez tenha retardado sua desidratação política. Como não afirmar que ele saiu enfraquecido?

Lula também saiu debilitado porque os candidatos apoiados por ele perderam nas capitais e grandes cidades. De 637 municípios em 2012, seu partido reduziu-se a 183. Ainda menos que os 254 de 2016. E Lula estava lá nos vídeos e na propaganda eleitoral. Como não afirmar que ele saiu enfraquecido? Mas o efeito maior foi a perda de um certo monopólio da esquerda que o partido sempre quis ter. O crescimento do PSol em Belém e São Paulo sinaliza mais autonomia em relação ao partido do qual se originou. O que também ocorre com PDT, PSB e Rede, que consolidaram um bloco estratégico. Com quatro capitais conquistadas, seu potencial candidato a presidente, Ciro Gomes, retomou protagonismo.

Doria aparentemente ganhou fôlego com a vitória de Bruno Covas em SP. Mas não atenuou sua rejeição na capital, tendo sido escondido da propaganda da campanha. Nacionalmente, o PSDB saiu enfraquecido. E, dentro do partido, muitos desconfiam da sua ambição personalista e do Bolsodoria praticado por ele em 2018. Como FHC, que acaba de lembrar a baixa inserção nacional de Doria. Sua posição pode melhorar com o desfecho da vacina. Enquanto o governo federal sequer tem um plano, o governo de São Paulo saiu na frente e já pode começar a vacinar em janeiro.

Permanece em aberto, ainda, a possibilidade de uma ou outra candidatura de personagens novos como o prefeito Alexandre Kalil do PSD de Kassab, que se fortaleceu com a conquista de 654 prefeituras. Isso significaria a volta de MG ao cenário político nacional depois dos desastres de Aécio e Dilma. Ou como Luciano Huck que poderia se beneficiar do seu amplo conhecimento pelo eleitorado de baixa renda que já flutuou de Lula para Bolsonaro.

Mesmo diante da inépcia generalizada do governo Bolsonaro e de sua crescente rejeição, não se pode descartá-lo como candidato que ainda pode reter uma reserva perto dos 30% que lhe garantiriam no 2º turno em 2022. Muitos contam com isso para tentar repetir a polarização de 2018 entre Bolsonaro e o PT. Como sugeriu Haddad em entrevista à FSP (6/12) ao lembrar que ainda espera uma candidatura de Lula a partir de eventual decisão do STF que reconheça a suspeição de Moro e anule o processo que o tornou ficha suja. E Moro segue ajudando seu inimigo Lula. Depois de ganhar o brinde do presidente Bolsonaro por ter impedido a candidatura de seu adversário, agora vai atrás de outro brinde. O de diretor da Alvarez & Marçal, uma empresa que trabalha para a Odebrecht, cujos administradores condenou e com quem fez tratativas para delação premiada.

Pela força residual do bolsonarismo, há quem entenda necessária para 2022 uma frente ampla de setores de centro, esquerda e direita em torno de compromissos democráticos. Uma frente que se constituiria a partir de alguns consensos parciais sobre temas específicos para reorientar o desenvolvimento do país. Ocorre que a dinâmica política brasileira favorece a multiplicação de candidaturas para alavancar as bancadas na Câmara dos Deputados que quantificam os fundos partidários e eleitorais. E, por isso, as cúpulas partidárias têm interesse em lançar candidaturas para perpetuar seu controle sobre os aparelhos partidários e suas prebendas. Esse cenário tende, portanto, a uma profusão de candidaturas, embora algumas frentes possam ser trabalhadas ao longo de 2021. Em atenção a sinais emitidos pelo eleitorado na direção da busca de representantes que possam fazer entregas de soluções e possam retomar a capacidade de dialogar que anda prejudicada em tempos de polarização.

*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

 

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