Rafael tem 16 anos e foi trabalhar. Cursava o ensino médio, mas teve que largar. Essa foi uma realidade do ano passado, em meio ao caos provocado pela pandemia. Assim como a realidade da maioria dos jovens de sua idade de pouco poder aquisitivo, a internet em casa não era das melhores para fazer as tarefas da escola e a situação econômica apertou. Essa história está mais próxima de você do que posso imaginar, é a realidade de muitos jovens do nosso País, mas Rafael depois pode quem sabe fazer um supletivo e tentar um lugar ao sol novamente.
A evasão escolar sempre foi alta, no Brasil. De acordo com o IBGE em 2019 (ano antes da pandemia) com um percentual de 7,6% para o país, a evasão dos adolescentes atingia 9,2% no Norte e Nordeste e era menor no Sudeste (6%). O fenômeno era maior na zona rural (11,5%) do que na urbana (6,8%), entre homens (8,1%) do que mulheres (7%) e era maior entre pretos ou pardos (8,4%) do que brancos (6,1%).
A pandemia irá piorar isto e ampliar ainda mais o gap de gênero. A Unicef mostrou em pesquisa recente que o Brasil é um dos cinco países que mais permaneceu com escolas fechadas. Foram 191 dias entre março de 2020 e fevereiro de 2021, contra 52 dias na média europeia. Na América Latina e no Caribe vivem cerca de 60% de todas as crianças e todos os adolescentes que perderam um ano escolar de educação presencial no mundo devido ao confinamento por causa da Covid-19, de acordo com dados publicados hoje pelo UNICEF.
Uma pesquisa encomendada pelo banco digital C6 Bank, realizada pelo Instituto Datafolha, aponta que cerca de 4 milhões de estudantes brasileiros, com idade entre 6 e 34 anos, abandonaram os estudos em 2020, o que representa uma taxa de 8,4% de evasão escolar. Segundo a UNICEF o Brasil corre o risco de regredir mais de duas décadas em relação ao enfrentamento da evasão escolar.
Não podemos negar que são evidentes os danos que isto irá gerar. A “geração pandemia” terá um enorme déficit de aprendizagem. Terá desvantagem quando for disputar espaços, no mercado de trabalho. Segundo o Banco Mundial O fechamento prolongado de escolas devido à pandemia de covid-19 pode fazer com que até 70% das crianças brasileiras não consigam ler e compreender um texto simples ao concluir o ensino fundamental. Isso pode soar como um exagero, mas é a dura e triste realidade.
O impacto negativo da pandemia sobre o aprendizado dos alunos não é homogêneo e tem chance de aumentar ainda mais a desigualdade social. De acordo com o boletim do Banco Mundial, embora crianças que têm condições materiais para acesso ao ensino a distância também tenham experimentado algum déficit de aprendizado, o prejuízo é muito maior para crianças pobres, que “foram destituídas de qualquer tipo de ensino em 2020”, por terem menos ou nenhum acesso à internet e a ambientes adequados de aprendizado.
O tema é difícil e é compreensível o receio dos professores. Sabemos que muitos professores tem idade avançada e também as novas cepas da covid tem atingido pessoas mais jovens, ou seja, todos são potenciais. Porém a reabertura, de todo modo, precisa ser feita com prudência, e a vacinação de professores deveria ser prioritária.
Diante de toda essa diferença e principalmente do impacto que o fechamento das escolas públicas tem causado a toda uma geração, surge uma pergunta: o que houve com o setor público? É cruel por exemplo culpar os alunos. Dado que boa parte não possui um computador e boa internet, para eles não haveria muito o que fazer. Isso não pode nunca servir como desculpa para inércia tanto de gestores governamentais como também da população para cobrar.
A condição econômica pesa, e é exatamente para isto que existe o Estado. Para dar conta dessas deficiências e então garantir o acesso ao ensino, que é constitucional. Se o Estado não souber fazer isto, é preciso refletir, parar e repensar o modo de fazer educação no País.
Precisamos de agilidade, e de um senso de urgência. A urgência aqui, não significa fazer as coisas de qualquer jeito, mas é reconhecer que se precisa de tomada de decisão, comprar equipamentos, treinamento e capacitação dos professores. Se espelhar no setor privado não seria uma má ideia, lá as escolas precisaram se adaptar rapidamente para oferecer com segurança seu serviço, com a pena de perder seu aluno para escola concorrente.
Ou tomamos uma atitude ou a conta, como de costume, será paga pelos alunos e famílias que não têm um outro lugar para escolher, que dependem unicamente do Estado para prover a educação dos seus filhos, e também não tem voz para pressionar o poder público. Na verdade, estão esquecidos.
Não quero aqui nem citar, todo o problema que essas crianças estão sofrendo. Algumas são vítimas de abusos em casa, ou nem mesmo tem o que comer. Precisamos dar um basta e repensar urgentemente o que fazer. Não podemos mais aceitar a inércia, ou futuros planejamentos, o poder público teve tempo suficiente ao menos para preparar estrutura dentre outras coisas, mas sempre encontramos desculpas. Até quando? Nossas crianças precisam ter a oportunidade de estudar, os jovens sempre são os mais afetados durante uma crise, imagine o futuro daqueles que estão sem estudar? Com responsabilidade, a educação no RN precisa ser levada a sério.
Thiago Medeiros
Publicitário e Sociólogo
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