O Globo
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, na CPI da Covid no Senado, Mandetta confirmou que houve discordância de sua posição sobre isolamento social com a do presidente Jair Bolsonaro. Ele respondeu a um questionamento feito pelo relator Renan Calheiros.
— Sim, senhor. Eu sou médico… Jurei na minha formatura, jurei quando tomei posse como deputado defender a Constituição, o princípio da vida, ali não era uma situação de diferenças políticas. Ali era um momento republicano. Eu conversava com o governador do Ceará, a governadora do Rio Grande do Norte, assim como de São Paulo, todos eles para que tivéssemos momento de união. Nunca discuti com o presidente, nunca tive discussão áspera, mas sempre coloquei a minha posição de forma muito clara — disse.
LEITE DERRAMADO -Mais tarde, questionado novamente sobre “lockdown”, Mandetta afirmou que o Brasil agiu depois do “leite derramado”.
— O Brasil não fez nenhum “lockdown”. O Brasil fez medidas depois do leite derramado. Vai entrar em colapso, então fecha. Vai faltar remédio, então fecha. Vai faltar oxigênio em Manaus, então fecha. A gene sempre foi um passo atrás desse vírus. Aqueles que fizeram preventivo foram poucos. Até Araraquara fez depois do leite derramado — disse Mandetta.
Mandetta foi enfático quando perguntado se, enquanto estava no cargo, alguma empresa ou entidade apresentou perspectivas de vacinas. Disse que não, mas que se houvesse vacinas à época iria atrás delas como um prato de comida.
PRODUZIR CLOROQUINA – Renan também questionou se a ordem do presidente Jair Bolsonaro para o laboratório do Exército aumentar a produção de cloroquina tinha partido do Ministério da Saúde, e Mandetta disse que não.
— A única coisa que o Ministério da saúde fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina e a conselheiros do ministério, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico. É um medicamento que tem uma série de reações adversas, uma série de cuidados que tem que ser vistos — disse Mandetta.
Segundo ele, havia quantidade suficiente do remédio no Brasil: “A cloroquina nos é produzida regularmente para o uso que convém, para malária, lúpus, pela Fiocruz, e tínhamos a quantidade necessária para isso”.
“ORIENTAÇÕES PARALELAS” – Mandetta disse que Bolsonaro não deu nenhuma orientação ao ouvir a previsão do Ministério da Saúde, no início da pandemia, de que o país poderia chegar a 180 mil mortes. Atualmente, o Brasil ultrapassa 400 mil óbitos decorrentes da doença.
— Não. Ficou aquilo como ‘existem outras pessoas que também falam outras coisas’, enfim. Não foi aquilo que foi capaz de unir — respondeu Mandetta ao ser indagado se Bolsonaro fez alguma recomendação ao ouvir a previsão inicial da Saúde.
O ex-ministro disse ainda que Bolsonaro parecia ter outra fonte de informação paralela, fora do Ministério da Saúde. E citou que o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), costumava acompanhar reuniões ministeriais e tomar notas.
TRATAMENTO PRECOCE — “Me lembro do presidente sempre questionar a questão da cloroquina como válvula de tratamento precoce, embora sem evidência precoce, lembro de ele falar do isolamento vertical. Ele tinha outra, não saberia dizer, outra fonte que dava para ele. Do Ministério da Saúde nunca houve orientação de coisas que não eram da cartilha”, assinalou.
Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre se o Ministério da Saúde foi pressionando pelo presidente Jair Bolsonaro a contrariar recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mandetta disse que não.
— Ele foi publicamente confrontado e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, o presidente dava outra informação.
RELAÇÃO DÚBIA – Sobre a relação com Bolsonaro, Mandetta disse que o presidente inicialmente compreendia as informações, mas poucos dias depois mudava de ideia. Segundo o ex-ministro, era uma “relação dúbia”.
O ex-ministro relatou também dificuldades com os filhos de Bolsonaro para conseguir um bom diálogo com a China.”Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito, porque eu era dependente de insumos que estavam na China, que tinha que trazer para o Brasil. Então era mais do que necessário ter um bom diálogo com a China. Então eu tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores [Ernesto Araújo, que deixou o cargo em 2021]”, disse, acrescentando:
“O outro filho do presidente que é deputado, Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através de Twitter, mal-estar. Eu fui até um certo dia ao Planalto, eles estavam todos lá, os três filhos [o vereador Carlos, o deputado Eduardo o senador Flávio] do presidente, e mais assessores, que são assessores de comunicação. Disse a eles: eu preciso conversar com o embaixador da China, preciso que eles nos ajude, pedi uma reunião com ele, posso trazer aqui? “Não, aqui não.” Acabei fazendo por telefone — explicou Mandetta.
EXISTIA DIFICULDADE – O senador Randolfe Rodrigues perguntou então se havia uma oposição a qualquer diálogo com a China. Mandetta respondeu:
— Existia uma dificuldade de superar essas questões.
O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) perguntou se Mandetta passou a criticar fortemente o governo federal apenas por que deixou o cargo? Mandetta explicou que, como cidadão, pode criticar Bolsonaro e finalizou:
— Eu como cidadão, hoje, 410 mil vidas me separam do presidente.
IMPACTO DA CORRUPÇÃO – O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) perguntou qual o impacto da corrupção, citando os escândalos do mensalão e do petrolão, na forma como o Brasil enfrentou a pandemia.
— Vem desde o dia que Cabral pisou aqui — disse Mandetta, acrescentando: — Isso é base de inúmeros problemas, não só na saúde.
Logo no início da sessão, Renan questionou se Mandetta vê como adequada a orientação do Ministério da Saúde para que as pessoas só procurassem o sistema de saúde com sintomas graves. Mandetta afirmou que o intuito era apenas evitar aglomerações por suspeitas de viroses em hospitais, antes de haver transmissão comunitária no país, o que só foi registrado no final de março de 2020.
HAVIA INSEGURANÇA — “Isso não é verdade. Não havia um caso no país. O que havia eram pessoas com sensação de insegurança, de pânico. Viam China, Itália com seu lockdown, e as pessoas procuravam hospitais com intuito de fazer testes: 99,9999% dos casos eram de outros vírus, e 0,0001% eram indefinidos. Só fizemos transmissão comunitária depois de 24 de março. Em um momento de viroses, a orientação para viroses é que observe a virose, que não vá ao hospital porque aglomera, porque se tiver um paciente ele vai contaminar na sala de espera. Eu tenho visto essa máxima ser repetida. É mais uma guerra de narrativa. Todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde”, salientou.
Renan questionou como funcionava o sistema de governança da pasta na gestão de Mandetta e quais foram as orientações aos municípios durante o início da crise sanitária. O ex-ministro respondeu que o ministério é dividido em secretarias especializadas e que tudo ocorreria de maneira harmônica entre eles. Sobre orientações, o ex-ministro citou uma série de portarias sobre medicamentos e testagens.
TESTAGEM EM MASSA – O relator também questionou por que não houve testagem em massa da população, Mandetta respondeu:
— No mês de março iniciamos todo o processo de aquisição da testagem, 24 milhões de testes. Não adianta só ter o teste, é preciso processar os testes. Mas foi assinado o recebimento dos testes no ministro subsequente, ministro Teich. E depois eu soube que essa estratégia não foi utilizada. Foi muito clara a nossa estratégia: testar, testar.
O relator então perguntou se havia impedimento técnico para a testagem na época. O ex-ministro se justificou:
— Não havia o teste. Era uma carência mundial.
CAMINHO TRAÇADO – Ainda sobre os testes, Mandetta afirmou: “Nós tínhamos um caminho traçado para a testagem, sabíamos para onde iríamos, sabíamos que íamos testar, bloquear contágio e iríamos tratar via atenção primária e ampliar nossa rede hospitalar. Não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência. E a ciência é essa, é isso que recomendaram. Depois, vimos pararem muitas coisas e não colocarem outras no lugar, a testagem é uma delas”.
Mandetta disse que a estratégia para compra centralizada de respiradores pelo governo federal foi bem-sucedida em sua gestão. De acordo com ele, estados e municípios enfrentavam problemas na aquisição dos produtos.
— Nós entramos, arbitramos, fizemos a encomenda e conseguimos garantir o abastecimento de toda a rede nacional. E são esses respiradores que estão até hoje segurando a epidemia. Todos os 15 mil foram entregues — afirmou.
LÍDER REAGE – O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), questionou, então, por que os estados partiram para comprar respiradores. Mandetta respondeu que “há um hiato”.
— Eles começaram a predar e a escalonar preços. Ficou insustentável. Nesse momento entrou o Ministério da Saúde. O Brasil foi o país que comprou respiradores pelo preço mais baixo do mundo. E entregou na ponta. Isso não impede os governadores.
Poste seu comentário