Por Maurício Costa Romão*

As reformas eleitorais são sempre necessárias para promover ajustes que a dinâmica social e política requerem. Quando, entretanto, elas são realizadas com o fito exclusivo de socorrer parlamentares com dificuldades de reeleição e dar sobrevida financeira a partidos impossibilitados de atenderem aos requisitos de desempenho eleitoral, então elas são casuísticas e uma agressão à democracia representativa.

É exatamente o caso desta reforma eleitoral em discussão na Câmara dos Deputados, no que concerne ao sistema de voto, cuja base norteadora veio à tona através do relatório da deputada Renata Abreu apresentado esta semana à comissão especial que trata do assunto.

No laboratório de experimentos de sistemas eleitorais em que o país se está transformando, a relatora já defendeu quatro propostas, três para substituir o modelo proporcional vigente e uma para mudar o sistema de voto majoritário: (1) distritão proporcional; (2) distritão misto; (3) distritão e (4) voto alternativo, esta última para eleição majoritária.

(1) distritão proporcional: metade dos parlamentares é eleita pelo sistema majoritário nos distritos plurinominais (os representantes mais votados por estado são eleitos) e a outra metade pelo sistema proporcional de lista aberta;

(2) distritão misto: parte dos representantes é eleita pelo mecanismo majoritário em distritos uninominais (apenas um representante é eleito por distrito), e a outra parte pelo sistema proporcional de lista aberta.

(3) distritão: variante magnificada do modelo majoritário distrital puro, em que a circunscrição eleitoral é um grande distrito (o estado, o município). Os representantes mais votados do grande distrito são eleitos;

(4) voto alternativo: o eleitor vota ordenando suas preferências, colocando o numeral 1 ao lado do nome do seu favorito, o numeral 2 ao lado do nome da sua segunda opção, e assim sucessivamente. Ao final, se nenhum candidato alcançar mais de 50% dos votos, elimina-se o menos votado da lista e se transferem os votos da sua segunda opção para os demais concorrentes. Se ainda assim ninguém ultrapassar os 50% dos votos, faz-se nova rodada, eliminando-se o penúltimo da lista e transferindo seus votos para os outros candidatos. O processo continua até que um dos candidatos obtenha mais da metade dos votos válidos.

Na apresentação do seu parecer final, a relatora diz que tentou obter consenso em torno desses modelos e não conseguiu. Por isso, fixou-se no distritão para 2022 e no distritão misto para as eleições de 2024 em diante, remetendo a matéria à decisão de voto na comissão.

Não é de surpreender que tais proposituras tenham encontrado obstáculos de aceitação interna corporis. São esdrúxulas e complexas mutações dos modelos eleitorais tradicionais, inapropriadas para a realidade federativa brasileira de eleições municipais e gerais, estas com mais de um cargo parlamentar em disputa simultaneamente.

Ademais, questiona-se a mudança do atual sistema proporcional de voto, que passou por importantes modificações na reforma eleitoral de 2017, celebrada urbi et orbi como bastante promissora para alcance de maior qualidade no sistema político-partidário do país, tendo, inclusive, dado mostras dessa perspectiva na eleição do ano passado.

Tudo isso sem mencionar a intempestividade de se discutir mudança tão drástica para o país, de sistema de voto, de forma açodada, premida pela espada de Dâmocles da anualidade, sem transparência, sem nenhum debate com a sociedade, e em meio à grave crise pandêmica.

Nunca os representantes parlamentares agrediram tanto o bom senso e estiveram tão distantes da agenda prioritária da população.

*Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br.

 

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