Um dos postulantes às prévias do PSDB, que escolherá em novembro o presidenciável da sigla, o senador Tasso Jereissati (CE) descarta que os quatro concorrentes cheguem à reta final. Tasso aposta em um afunilamento da disputa, com um maior entendimento entre eles ao longo da jornada. Ele não antecipa se estará na rodada final como concorrente, ou cabo eleitoral. Mas afirma que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, “é a cara do futuro do PSDB”.
Nesta entrevista ao Valor, o senador, um dos quadros históricos do partido, diz que a maior motivação das prévias é sair da polarização e do clima de ódio predominante no país. Tasso considera inadmissíveis declarações do presidente Jair Bolsonaro contestando a legitimidade das eleições, e ameaçando a realização do pleito. Afirma, entretanto, que Bolsonaro marcha rumo ao isolamento político, e que seu tom de radicalização começou a perder aderência.
“Hoje eu me preocupo menos. Apesar do discurso mais radicalizado, Bolsonaro está cada vez mais isolado”
Nessa linha, ele também não acredita em radicalização do discurso dos militares, e enxergou como um “ponto fora da curva”, a nota oficial do Ministério da Defesa e dos comandantes militares dirigida à CPI da Covid, da qual ele é integrante, há dez dias. Acrescentou que o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, “não é um democrata”, a partir das declarações que o oficial militar deu a “O Globo”.
Tasso defende que a prioridade do próximo governo seja promover uma reforma política de fôlego, a partir de um pacto pelo fim da reeleição. Entusiasta do parlamentarismo, ressalta que desde que entrou na política, o Brasil vive crises sucessivas. “É a terceira vez que eu discuto na minha vida um impeachment, o sistema não está funcionando”.
Há algumas semanas, começou a circular entre grupos de WhatsApp, principalmente entre São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Ceará, um vídeo publicitário exaltando a pré-candidatura de Tasso a presidente da República.
Em tom de campanha, o filme prega a conciliação nacional, em sintonia com o discurso do tucano. Com jingle embalado por “Aquele abraço”, de Gilberto Gil, a peça aclama o “Presidentasso”. O slogan dialoga com outro de campanha anterior do tucano, quando ele se elegeu governador do Ceará: “Tassim”.
A equipe de Tasso e fontes da cúpula tucana negam a autoria do vídeo, e o atribuem a anônimos, entusiastas da candidatura do senador. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que esperar das prévias do PSDB?
Nossa principal motivação é sair dessa polarização, desse clima de ódio. Temos que sair [das prévias] com a predisposição de que qualquer que seja o escolhido, vamos precisar dialogar com outros partidos, e não sair com receita pronta, quem quiser que nos acompanhe. Não é assim que se faz um projeto de conciliação, é inviável do ponto de vista eleitoral.
O PSDB pode sair ainda mais dividido das prévias?
Não acredito que o PSDB chegue às prévias com tantos candidatos. Haverá um afunilamento, um maior entendimento entre os pré-candidatos. Evidentemente, quem entrar na disputa, terá o compromisso e o dever moral de apoiar aquele que vier a ganhá-la.
O senhor irá até o final? Se não chegar até as prévias, apoiará quem?
É difícil dizer quem vou apoiar porque tenho muitos amigos no partido. Uns mais velhos, como o Arthur [Virgílio], temos uma longa história juntos de oposição ao PT no Senado; tem o governador de São Paulo, João Doria. E tem lideranças jovens, com quem tenho relação, como o governador [do Rio Grande do Sul], Eduardo Leite, que, com certeza, é a cara do futuro do PSDB.
Quem deve vencer as prévias?
Aquele que tiver o poder de aglutinar mais forças ao redor dele é quem deve ser o candidato do PSDB, essa é a grande definição. Não basta vencer as prévias. Porque se tiver um candidato do PSDB, um do MDB, um do DEM, um do PSD, nenhum deles vai chegar lá.
Há críticas de que as regras das prévias favorecem o governador João Doria, porque São Paulo concentra, por exemplo, o maior número de filiados. Ele larga na frente?
Claro que ele tem vantagem. Ele é governador de São Paulo, o Estado mais importante, com a maior população, e onde o PSDB é mais forte. Com essa estrutura, ele sai com dois passos à frente. Mas São Paulo não é o único Estado, tem vários outros Estados que podem modificar esse quadro. Isso dá uma vantagem a ele, mas não define o processo.
Quais as chances do PSDB se afirmar como a terceira via?
O PSDB é, a meu ver, um partido diferenciado hoje. Tivemos problemas ao longo do caminho, cometemos vários erros. Mas ele começa a se reencontrar agora. A terceira via seria o candidato daquele partido que fez oposição ao [ex-presidente] Lula e ao PT, vendo tal força como de extrema esquerda, que fez profundos equívocos no governo, principalmente na economia. E daquele partido que está fazendo oposição agora, sem nenhuma dúvida, e não tem cargo no governo Bolsonaro. Portanto, de oposição à extrema direita. São essas condições que colocam o PSDB não só no discurso, mas, efetivamente, no centro.
A sucessão presidencial comportaria dois postulantes do Ceará?
Eu e o Ciro Gomes temos uma amizade antiga, começamos juntos na política há mais de 30 anos. Já tivemos cariocas, paulistas, gaúchos, mineiros, o fato de sermos dois do Ceará, dois nordestinos, só engrandece a disputa. O que não tenho certeza que vai acontecer.
As pesquisas estão desanimadoras para a terceira via, diante da polarização que vem persistindo entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. O senhor vê o PSDB apoiando outro nome, se um tucano não se viabilizar, ou até mesmo apoiando Ciro Gomes?
Acredito que teremos um nome que vai romper essa polarização. O Ciro não é um homem de esquerda, não é um nome de extremos. Adoraria que ele fizesse parte dessa visão de um grupo mais de centro, que tenha algum tipo de compromisso entre nós, para que essas posições radicais desapareçam do nosso cenário político.
O que o senhor achou da declaração de apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao Lula, caso se confirme o segundo turno entre o petista e Bolsonaro?
O Fernando Henrique, hoje no alto dos seus 90 anos, de duas Presidências da República, mas, principalmente, como intelectual, tornou-se um livre pensador, que tem a sua visão de mundo mais ampliada do que uma visão política de curto e médio prazo. Ele não me disse isso, mas acho que, como um homem que foi uma liderança importante na luta pela redemocratização, vê com muita preocupação qualquer visão que não seja radicalmente democrata. Ele colocou essa posição, mas sempre ponderando que torce para que haja uma terceira via dentro do PSDB.
Com um ano de antecedência, o presidente Bolsonaro, pré-candidato à reeleição, já contestou a legitimidade do pleito, e aventou a possibilidade de não haver eleições. Esse discurso sugere que a campanha será radicalizada? Será possível evitar o clima de ódio na campanha?
Esse discurso raivoso tem que ser isolado dentro da democracia. Determinadas declarações como essa do presidente Bolsonaro são inadmissíveis, isso não faz parte do debate democrático. Faz parte de mentes autoritárias, que têm objetivos e sentimentos diferentes em relação ao regime democrático.
Acha que o presidente acabará isolado politicamente?
Isso já começa a acontecer. Já no começo do ano, eu me preocupava com os sinais que Bolsonaro dava de autoritarismo, querendo fazer ameaças às instituições, colocando em dúvida o resultado das eleições, imitando o ex-presidente [Donald] Trump. Mas hoje eu me preocupo menos. Apesar do discurso estar mais radicalizado, percebo que ele está ficando cada vez mais isolado. No início, as pessoas viam um presidente moralista. Hoje veem um autoritário, cheio de problemas, desde uma péssima administração, até casos de corrupção.
O senhor é integrante da CPI da Covid. O que achou da nota do Ministério da Defesa e dos comandantes militares dirigida à comissão há dez dias? A radicalização dos militares é uma tendência ou foi um ponto fora da curva?
Quero acreditar que aquela nota, mas, principalmente, a entrevista do comandante da Aeronáutica [brigadeiro Baptista Júnior] foram pontos fora da curva. Evidentemente que o comandante da FAB [Força Aérea Brasileira], pela visão que ele tem, não é um democrata. E a gente sabe que tem no governo Bolsonaro várias pessoas que não são democratas, não acreditam na convivência das divergências. Mas isso não significa que as Forças Armadas, ou a Aeronáutica, tenham a visão deles. São elementos dentro dessas instituições, como deve ter dentro do jornalismo, dentro de alguns partidos, pessoas que não sejam democratas.
O que a CPI levantou de mais grave até agora?
Estamos entrando na fase em que aparecem cenários de corrupção. Mas para mim, o mais grave é o que já está consolidado na CPI: a negação à vacina, a falta de compromisso na compra do imunizante, ou no projeto de vacinação do povo brasileiro, cultivada por uma visão perversa de imunidade de rebanho. Essa visão de que não precisávamos de vacina, porque tínhamos um remedinho que curava a doença. Essa é a grande sequela que esse governo deixa na população. É tão grave que a própria discussão sobre a corrupção cai para o segundo plano.
O recesso parlamentar vai esfriar as denúncias e atrapalhar os trabalhos da CPI?
Tem gente que acha isso, mas eu não concordo. A quantidade de documentos que a CPI recebeu é gigantesca, essa é a oportunidade que teremos para estudar com maior profundidade tudo isso. Muito se publicou sobre a compra da [vacina indiana] Covaxin, mas não está claro quem é quem, quem é responsável pelo quê, quem financiava o quê. Todo dia aparecem novos nomes.
Qual deverá ser a prioridade do próximo governo?
A transição para a volta à normalidade democrática, de convivência legitima entre os brasileiros, em que haja mais coincidências que nos unam do que situações que nos separam. Terá que ser feita uma reforma política de fôlego. Desde que entrei na política, vivemos crise de dois em dois anos, é a terceira vez que eu discuto na minha vida um impeachment. É evidente que o sistema não está funcionando. Tem que ter um pacto de não reeleição, seria muito bom que o próximo presidente tivesse o compromisso de não reeleição para poder liderar discussões como essas.
Mas o PSDB propôs a reeleição em 1998. Se um tucano se eleger presidente, aceitaria o pacto pelo fim da reeleição?
Eu vou propor isso dentro do PSDB. Não sei se vai ser aceito, mas vou defender que o PSDB leve consigo esse compromisso.
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