Via  O Globo

A votação que rejeitou a PEC do voto impresso no plenário da Câmara, na última terça-feira, expôs cisões em tradicionais partidos de esquerda a favor de um projeto que é obsessão de Jair Bolsonaro. No PSB e no PDT, opositores do governo, dezessete deputados se juntaram aos aliados do presidente na defesa da proposta.

Histórico aliado do PT, o PSB viu novamente sua ala “à direita” descumprir a orientação da sigla, desta vez pela rejeição ao voto impresso. Dos 31 parlamentares, 11 votaram a favor da PEC. Bolsonaro vinha ameaçando a não realização de eleições caso o voto impresso não fosse aprovado. Tanto PSB quanto PDT participaram de ato pró-democracia na terça-feira após desfile de tanques na Esplanada que foi considerada uma tentativa de pressão do presidente sobre a votação da PEC na Câmara.

Dentro da bancada, a rebeldia não surpreendeu. Trata-se de um grupo majoritariamente considerado alheio aos valores de esquerda do partido. Seis dos deputados haviam sido processados pelo PSB por votarem a favor da reforma da Previdência, em junho de 2019, contra orientação da legenda: Emidinho Madeira (MG), Jefferson Campos (SP), Liziane Bayer (RS), Rodrigo Coelho (SC), Rosana Valle (SP) e Ted Conti (ES).

Além deles, votaram “sim” pelo voto impresso os deputados Luciano Dutti (PR), Mauro Nazif (RO), Ricardo Silva (SP), Heitor Schuch (RS) e Júlio Delgado (MG). Internamente, atribui-se pelo menos duas razões diferentes para a postura insubmissa: pressão de redutos eleitorais conservadores ou um alinhamento mais ideológico ao presidente da República.

Coelho é considerado o mais “bolsonarista” do grupo. Em suas redes sociais, ele ostenta fotos ao lado de Bolsonaro, ministros e até figuras ligadas como o empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das Lojas Havan. Em janeiro, Coelho liderou o racha na bancada para apoiar a eleição do então candidato Arthur Lira (PP-AL), nome de Bolsonaro para o pleito, contra Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Em abril, Coelho obteve na Justiça Eleitoral o direito de deixar o PSB sem perder o mandato. Ele alegou discriminação pessoal por conta da punição advinda da votação da reforma previdenciária, o que caracterizaria devida justa causa para sua desfiliação.

Rosana Valle (SP) é também próxima ao presidente. Quando Bolsonaro viaja ao Guarujá, no litoral paulista, para passar as férias, a deputada costuma visitá-lo no Forte dos Andradas, propriedade do Exército onde ele geralmente se hospeda. Ela tem acompanhado Bolsonaro em inaugurações de obras pelo Vale do Ribeira, no sul do estado.

Já Campos e Bayer são pastores evangélicos e costumam votar junto do governo em pautas de costumes, com posições conservadoras. Dutti e Schuch têm suas bases eleitorais em estados do Sul, em média mais simpáticos a Bolsonaro. No Rio Grande do Sul de Schuch, o PSB integra o governo de Eduardo Leite (PSDB), à direita de sua sigla.

O voto de Nazif pegou integrantes da bancada de surpresa. No dia anterior, ele havia sido cercado por um grupo de apoiadores de Bolsonaro em frente à sua residência, em Porto Velho, e constrangido aos berros a revelar como votaria a PEC. Na ocasião, ele se recusou a responder.

Delgado, por sua vez, é identificado com a esquerda do partido, mas tem demonstrado distanciamento em alguns assuntos. Ele é um dos nomes do PSB contrários a uma aliança com o PT em 2022 e defende a chamada terceira via. Delgado integrou o grupo que defendeu apoio a Lira na eleição da Câmara.

— Na prática, a ampla maioria da bancada do PSB, cerca de dois terços dos deputados, foi contra o voto impresso. Mas como não houve fechamento de questão pelo partido sobre o tema, tivemos uma alguns parlamentares que entenderam que, apesar do sistema atual ser confiável, poderia ser aprimorado — minimizou Danilo Cabral, líder do PSB na Câmara.

No PDT, que também puniu deputados por votaram pela reforma da Previdência, seis deputados ficaram do mesmo lado de Bolsonaro: Alex Santana (BA), Jesus Sérgio (AC), Marlon Santos (RS), Pompeo de Mattos (RS), Silvia Cristina (RO), Subtenente Gonzaga (MG). Destes, apenas Mattos não foi processado em 2019 por infidelidade.

Mattos, pelo menos, não pode ser acusado de trair a agenda do partido, já que seu voto se fundamentou nas raízes históricas do PDT. Antigo defensor da proposta, há semanas ele vem mencionando Leonel Brizola, fundador do partido e crítico da urna eletrônica que passou a ser usada no Brasil em 1996, em sua justificativa pela defesa da PEC que tramitava na Câmara. Brizola defendia maior auditagem do sistema.

O deputado faz questão de se distanciar do discurso de Bolsonaro, que tem colocado em dúvida a transparência do sistema eleitoral: “não se trata neste momento de questionar a lisura, mas de aperfeiçoar o sistema atual incluindo junto à urna eletrônica o voto impresso”, escreveu numa rede social. O próprio Mattos é autor de um projeto de lei, proposto em 2000, para implementar o voto impresso em no mínimo 5% das urnas eletrônicas, com recontagem manual.

Pastor evangélico, Santana costuma pregar contra pautas progressistas, como a linguagem neutra. Ele endossou o repúdio dos conservadores à uma campanha pró-LGBTQIA+ do Burger King, a que chamou de “tentativa de ensinar homossexualismo às nossas crianças”. Ele vem defendendo o voto impresso em suas redes sociais.

Gonzaga, que costuma advogar por pautas corporativas da Polícia Militar, defendeu o voto impresso como “possibilidade de aperfeiçoar os mecanismos de controle”. Sérgio e Cristina, por sua vez, têm ignorado o assunto em suas redes sociais.

— O PDT tem 27 deputados e houve seis votos favoráveis, dois deles de deputados que já estão de saída do partido. Número normal para um tema que não é programático e para o qual não houve fechamento de questão — declarou Wolney Queiroz, líder da sigla.

Diferentemente do PSB, que não deve repetir a punição dada dois anos antes, o PDT deve optar pela ofensiva. O presidente do Conselho de Ética da sigla, Marcos Ribeiro, afirmou que vai abrir de ofício um processo contra o grupo.

Cisões à direita
No PSL, ex-legenda de Bolsonaro que orientou voto pelo “sim” ao voto impresso, o presidente nacional, Luciano Bivar (PE), seguiu na direção contrária. Ele foi um dos cinco rebeldes, entre os 53 deputados da bancada (a maior da Câmara), a votar contra. Júnior Bozzella (SP), Dayane Pimentel (BA), Nereu Crispim (RS), Joice Hasselmann (SP) e Delegado Waldir (GO) se juntaram a Bivar.

O grupo representa a maior resistência no PSL a Bolsonaro. Rompidos com o governo federal em 2019, passaram a sofrer ataques da militância bolsonarista e viram Bolsonaro condicionar seu retorno ao partido a suas expulsões. Bozzella diz não ter ingerência na bancada, que tem Major Vitor Hugo, da tropa de choque de Bolsonaro na Câmara, como líder desde que Lira assumiu a presidência da Casa. Por isso, o grupo contra o voto impresso não teve como orientar pela rejeição à PEC.

— Quem vota favorável a um absurdo desses está compactuando com a tentativa de institucionalização de um golpe, porque é isso que o Bolsonaro tenta fazer o tempo todo, criar uma brecha para tumultuar o processo eleitoral — afirmou Bozzella.

No PSDB, cuja direção nacional tem feito oposição a Bolsonaro, 14 deputados não seguiram a orientação do partido e se posicionaram a favor da PEC. Agora, a executiva nacional estuda bonificar aqueles que seguiram a indicação da sigla, passando mais recursos do fundo eleitoral para os 12 parlamentares que ficaram contra a proposta. Outros seis se abstiveram ou faltaram.

 

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