O Globo

O presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, há tempos vivem um casamento típico de fachada, daquelas relações com quase nenhuma sintonia. A crise permanente — o general, em tom de desabafo, já chegou até a falar em renúncia — atingiu um dos piores momentos nas últimas semanas. Bolsonaro se sentiu traído ao descobrir pela imprensa que Mourão havia se encontrado às escondidas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, um dos seus principais desafetos e contra quem ele promete apresentar um pedido de impeachment no Senado.

O encontro que irritou o presidente por pouco não ocorreu. Um interlocutor já havia tentado agendá-lo, mas, inicialmente, Barroso resistia. O cenário só mudou quando os tanques foram para a rua: ao saber que Bolsonaro havia convocado seus ministros para acompanhar um desfile de veículos militares na Esplanada dos Ministérios, no último dia 10, horas antes de a Câmara derrotar a proposta de voto impresso, uma das principais bandeiras bolsonaristas, Barroso, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou atrás e pediu para o amigo em comum marcar a conversa com Mourão.

NO DIA DO DESFILE – A reunião, revelada pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, ocorreu no dia do desfile militar, e terminou com o vice dizendo o que o ministro queria ouvir: que as Forças Armadas não embarcariam em aventuras inconstitucionais. Bolsonaro não se conformou.

Desde então, alguns ministros tentam distensionar a relação entre presidente e vice, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Nogueira, que tem boa relação com Mourão, esteve na última segunda-feira na Vice-Presidência para uma “visita de cortesia”, nas palavras de sua assessoria de imprensa. Já Heleno vestiu o uniforme de bombeiro por ser próximo a ambos. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, também se mostrou disposto a auxiliar numa reaproximação.

Entre os argumentos apresentados a Bolsonaro, estão o de que Mourão, general da reserva, é respeitado entre os militares. O esgarçamento da relação pode incomodar estrelados personagens da caserna e, consequentemente, trazer prejuízos em 2022.

TESTE PRÓXIMO – O resultado das investidas de Heleno e Nogueira poderá ser medido nas próximas 48 horas: antes do incêndio provocado pela reunião com Barroso, Mourão já havia convidado Bolsonaro a comparecer à próxima reunião do Conselho da Amazônia, colegiado presidido pelo vice, agendada para esta terça-feira. Bolsonaro ainda não respondeu se comparecerá.

Esse acúmulo de desgastes deve virar separação em 2022. Bolsonaro costuma dizer entre aliados que terá outro vice na disputa pela reeleição. Mourão, por sua vez, flerta com a candidatura ao Senado pelo Rio Grande do Sul. A Vice-Presidência afirmou que não iria comentar as desavenças. A Presidência não retornou.

 

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