Por José Nêumanne*
O ex-prefeito de Maringá Ricardo Barros é um político da espécie privilegiada dos camaleões. Foi vice-líder do tucano Fernando Henrique e dos petistas Lula e Dilma, Mesmo sendo engenheiro civil, que nunca exerceu outro ofício que não fosse o da política profissional, foi ministro da Saúde no meio mandato dado de presente pelo PT a Michel Temer, do MDB. Tem, assim, a biografia de um politiqueiro ao velho estilo, sempre disposto a servir ao chefe do partido de posse do cofre. Em tese, não devia ter figurino de pau pra toda obra do capitão da antipolítica Jair Bolsonaro. Mas o falso faxineiro-geral da República é farsante-total do Executivo e o paranaense fâmulo de todos os senhores, seu líder na Câmara.
Durante a primeira metade dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, o ex-secretário da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul do Paraná não foi citado em depoimentos; Nem devassado em investigações comprometedoras. Até então, o presidente Jair Bolsonaro era tido como um ferrenho negacionista, que tinha deixado o total de óbitos de brasileiros pela ferocidade do novo coronavírus ultrapassar o meio milhão de vítimas fatais por ignorância ou “boa-fé” religiosa. Até que, de repente, não mais do que de repente, como diria o poeta, tudo virou de pernas para o ar e, quando a cortina caiu, apareceu na coxia o marido da ex-governadora de seu Estado do Paraná. Tudo, por obra e desgraça de um bolsonarista. O deputado Luís Miranda veio do nada no auto de fé e a história se tornou uma longa meada de negócios escusos, com muitas pontas e fios grosseiros. O parlamentar procurou o chefe do Executivo para contar a respeito dos tormentos do irmão, Luís Ricardo Miranda, chefe de importação (também de vacinas) do Ministério da Saúde, honesto servidor, assediado por pressões para dar deixar de atrapalhar uma negociata bilionária na compra de… imunizantes sem compliance.
Ora, direis, sonhas com insumos, afirmaria o senador Marcos do Val, incapaz de fugir do erro numa sentença de três palavras. Segundo a versão dos próprios, os dois irmãos ouviram do chefe do governo a promessa de mandar o “degê” (diretor-geral) da Polícia Federal (PF), Paulo Maiurino, investigar a origem e motivação das tais pressões. Dois dias depois da delação sem prêmio do aliado de boa-fé, o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, caiu. Mas a PF nada fez para apurar as razões do pesadelo do importador de vacinas. No depoimento, o irmão deputado contou aos senadores, após argumentos de Alessandro Vieira e Simone Tebet, que Bolsonaro em pessoa atribuiu tudo a algum indefinido “rolo” do Ricardo Barros. Sua Insolência nunca admitiu nem negou o cochicho traíra. E o mago Barros assomou ao protagonismo na cena. Pretenso pau-mandado dele, Roberto Dias perdeu o poder supremo de comprar vacinas sem prestar contas a outro chefão, o tenente-coronel Elcio Franco, e o emprego de currículo coroado. Ninguém, porém, mexeu no pretenso paraninfo, que depôs, mentiu, berrou e esperneou, mas segue incólume colosso.
A CPI decretou a quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático do contratador de compradores de remédios. Barros recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). Cármen Lúcia, aquela do “cala boca nunca mais”, manteve a quebra. Mas decretou sigilo no que a CPI descobrir no passado penal do marido da sra. Borghetti, fina-flor das araucárias.
Ricardo Barros era ministro da Saúde de Temer quando a Global Gestão em Saúde vendeu ao governo do Distrito Federal R$ 20 milhões em remédios raros e caros para doentes graves, com a mãozinha gorda e providencial do doutor. A conta foi paga, os remédios não foram entregues e o dinheiro público depositado não foi devolvido. Em depoimento de fazer corar frade de pedra, o líder do desgoverno Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho, disse que não pesa nenhuma condenação judicial contra a firma vendedora, que pertence a Francisco Emerson Maximiano, também dono da Precisa Medicamentos, que vendeu 20 milhões de doses de uma ignota vacina indiana, a Covaxin, por R$ 1,670 bilhão. O processo de compra levou os investigadores sérios da CPI do Senado a acreditarem que, no mínimo, R$ 230 milhões de adiantamento seriam subtraídos do erário para uma empresa de fachada do paraíso fiscal de Cingapura, a Madison; Sem que houvesse garantia nenhuma de que sequer uma dose do tal imunizante fosse aplicada em braço de brasileiro.
Os personagens da negociata – o cabo PM-MG Luiz Paulo Dominguetti, o pastor nada reverendo Amilton de Paula e mais um punhado de trambiqueiros mequetrefes – foram socorridos por vários ministros do STF com o mutismo obsequioso. E Barros terá seus segredos investigados, mas jamais revelados a quem o remunera. Que injustiça!
Com todas as vênias meritórias pela obediência à regulação democrática pela Constituição da República, alguém precisa contar ao pagador de impostos por que se chama de público o seu próprio honrado dinheirinho quando ele passa para as contas de algum emérito vigarista. Seja um amigo do peito do primogênito do presidente da República, seja o finório admirador do papai deste, o milionário “educador” Carlos Wizard.
Teremos de pedir ao deputado Aécio Neves, atualmente o Brancaleone secreto da armada de choque bolsonarista na Câmara, que consiga da conterrânea Cármen Lúcia a razão de esconder do pagador de impostos e contas públicas em geral as tenebrosas transações de políticos como os personagens dessa negociata em favor da indesejada das gentes?
*Jornalista, poeta e escritor
Poste seu comentário