Por José Nêumanne*

Que aqui vou narrar ninguém me contou: eu vi, ouvi, testemunhei e conferi. Luiz Inácio Lula da Silva era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, hoje ABC, ao engajar-se na candidatura alternativa do PMDB na eleição vencida por Franco Montoro para o Senado. Montoro ganhou a primeira eleição direta para governador do Estado de São Paulo e Fernando Henrique Cardoso assumiu a vaga no Senado. Lula e FHC juntaram-se de novo no palanque das Diretas Já, ao lado de Tancredo Neves e Teotônio Vilela, o Coração de Estudante, de Milton Nascimento e Fernando Brant. A polarização PT-PSDB não era naquela luta contra a ditadura militar sequer um presságio.

O feijão com arroz versus caviar da politicagem rasteira os separou. Após ter perdido para Fernando Collor no voto popular e antes de assumir a narrativa do golpe contra Dilma votando no impeachment do alagoano do Leblon, contudo, o Partido dos Trabalhadores (PT), que ajudou a tornar viável a melhor gestão presidencial da história da República, sob Itamar Franco, perdeu duas vezes no primeiro turno para o ex-chanceler da gestão provisória dele. E FHC não se opôs muito a Lula derrotar seu ex-ministro da Saúde José Serra no segundo turno. Desde então, apesar dos insultos grosseiros de hábito do PT, o sociólogo nunca detratou o ex-parceiro de palanque. E o tucano que tentou impedir a reeleição de Lula, Geraldo Alckmin, teve menos votos no segundo do que no primeiro turno. E agora, quem diria, trata-se até de uma chapa Lula-Alckmin.

Em 2014, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) perdeu, de novo com Serra, para a dupla Dilma Rousseff & Michel Temer numa disputa que os derrotados tentaram invalidar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas logo desistiram. Àquela ocasião, o neto do dr. Tancredo preferia enxovalhar a honra do avô preferindo a folga permanente na praia ao mandato de senador por Minas Gerais. É a maior frustração da história política recente do Brasil, por ter a margem apertada de votos nutrido a ilusão de que viesse a ser alternativa à desastradíssima indigestão de madame sabe-nada, que fez tudo errado, pedalou e perdeu a mamata. Aecinho foi pilhado pela Lava-Jato e passou a integrar a turma majoritária no Congresso de antilavajatistas. Chamá-lo de militante seria uma hipérbole. Mas o frustrador-geral da República passou a morar no curral discreto do gado bolsonarista. E ali estava ao lado do PT, na condição dupla de suspeito e vingador. Hoje, o dono da sigla por quem ninguém mais tem respeito algum atua na articulação sem militância, a favor não de Lula nem de Bolsonaro isoladamente, mas de ambos contra a terceira via.

Tucano que se preze, mesmo tendo virado urubu, como virou, respeita mais aparências do que fatos. Então, o bolsonarismo aecista foi a cereja do bolo na farsa das prévias do PSDB em que o aplicativo foi inculpado pela lambança de prévias que não houve. A deputada Mara Rocha, do baixo clero acriano, anunciou a saída do partido e a adesão ao capetão. Eduardo Leite, assumindo sua porção Ninho, não assumiu a candidatura presidencial, o que é conveniente para seu bolsoaecismo.

E o PSDB, que se orgulhava de suas gestões estaduais de Mário Covas, Alberto Goldman e José Serra no maior Estado da Federação, deixará a terceira via livre para sua vocação apolítica, a ser o destino do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. A recente filiação do ex-juiz da Operação Lava Jato ao Podemos pode ser a chave do cumprimento de uma formalidade legal – não há autorização constitucional de candidaturas sem partidos em eleições brasileiras, mais um defeito de nossa enxundiosa Carta Magna – para assumir o posto de apolítico da vez. De fato, Bolsonaro, com 30 anos de tramas politiqueiras no baixo clero clandestino da política profissional, andou sujando as fraldas desse tipo de precocidade praticando a maior série de traições a promessas eleitorais da História do Brasil de Tomé de Sousa a Michel Temer. E Moro errou ao aceitar assumir a mais antiga e prestigiada das pastas da governança federal sob a égide do capitão-terrorista. Mas milhões de cidadãos brasileiros não se disporão a atirar a primeira pedra nele, de vez que não será o único entre os arrependidos por terem acreditado que as instituições são comandadas no Brasil por gente capaz de destronar um aventureiro experimentado somente em revender óleo de cobra em feira livre.

Há bons nomes na expectativa de trilhar a terceira via. Os senadores Alessandro Vieira e Simone Tebet e o ex-deputado Luiz Henrique Mandetta não deixam o autor destas linhas mentir. Mas os dois dígitos que começam a aparecer nos levantamentos de opinião desde que Moro voltou dos EUA para assumir a pretensão presidencial indicam que a falta de experiência no manejo de agulhas do tricô parlamentar não o prejudicará. João Doria não assumiu o altar de padroeiro da vacinação, que merecia, talvez por ter sido escolhido como inimigo do falso antipolítico no poder.

Na linha de mira dos lulistas, que apostam na saudade do povo de seus oito anos de presidência e no esquecimento dos processos de que foi expelido por inimigos de ocasião do ex-juiz nos tribunais politiqueiros, e dos bolsonaristas, que ainda apostam no antipetismo como corrente de fé, a terceira via apolítica forma uma consistente assessoria trazendo de volta à cena o economista Affonso Celso Pastore, O ex-presidente do Banco Central reforça a esperança de que o candidato não pregue apenas o fim da corrupção, mas lidere um programa consistente de governo para restaurar a economia e erradicar a fome, como recomendou o jurista Modesto Carvalhosa, em entrevista ao Estadão de 5 de novembro.

*Jornalista, poeta e escritor

 

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