O sol não tinha nascido quando um grupo de jovens oficiais do Exército, rebelados contra o primeiro-ministro, Visconde de Ouro Preto, bateram na porta de uma casa modesta, próxima do Campo de Santana. Vinham pedir ao morador que os liderasse, pois faltava um general de desenvoltura política que, à frente das tropas insubordinadas, depusesse o ministério. Sem dormir por toda a madrugada, o marechal Deodoro da Fonseca sofria de dispnéia, respirando mal e até, conforme seus vizinhos, talvez não passasse do dia 15, que nascia. Os boatos eram sobre a dissolução do Exército, substituindo-o pela Guarda Nacional. Também se falava da iminente prisão de Deodoro.
Com muito esforço, e acreditando na boataria, o marechal fardou-se e tentou montar no cavalo baio a ele oferecido. Não conseguiu, ocupando então uma charrete. Tomou o rumo de São Cristóvão, onde se localizavam regimentos dispostos a aderir à rebelião. No meio do caminho, às margens do Mangue, um pequeno riacho, confraternizaram a comitiva do marechal e dois batalhões que deixavam os quartéis, marchando para a sede do ministério da Guerra, onde se encontrava reunido o ministério. Da janela do segundo andar, o primeiro-ministro dava ordens ao ajudante-geral do Exército, marechal Floriano Peixoto, para acionar as tropas legalistas e tomar de assalto os poucos canhões apontados contra o governo. Referiu-se à superioridade dos soldados fiéis, lembrando que na recém encerrada Guerra do Paraguai, em condições muito mais adversas, peças inimigas tinham sido tomadas à baioneta. Floriano, sem posição definida na rebelião, justificou a inação: “é, senhor ministro, mas no Paraguai lutávamos contra paraguaios”.
Deodoro chegou, mandou abrir os portões e agora a cavalo, irrompeu pelo pátio interno, com a tropa entusiasmada gritando “viva Deodoro! Viva Deodoro!” Como gesto peculiar adquirido na guerra, ele saudou a tropa tirando e colocando o quepe por diversas vezes. E gritando “viva o Imperador! Viva o Imperador!”
Naquela hora, já haviam chegado ao prédio do ministério partidários da proclamação da República, como Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Aristides Lobo e outros, que subiram com Deodoro as escadarias para o salão onde o ministério estava reunido. Ouro Preto não se levantou e ouviu as queixas do marechal, falando na humilhação porque passava o Exército. Ardendo de febre, Deodoro repetiu diversas vezes que o Exército se sacrificara nos pântanos do Paraguai e não merecia o desprezo do governo. Em dado momento, replicou o primeiro-ministro: “Olha aqui, marechal, sacrifício muito maior estou fazendo agora ouvindo as baboseiras de Vossa Excelência!”
Dali para Deodoro anunciar que Ouro Preto estava deposto e preso foi um minuto. Aproximaram-se os republicanos e os militares, quando Benjamin Constant aproveitou para sugerir a Deodoro que melhor oportunidade não havia para proclamar a república, naquela hora. O marechal refugou, lembrou que o Imperador era seu amigo, mas ouviu que se a República fosse proclamada, o país seria governado por um ditador. Ele mesmo.
Quando todos se retiravam, Ouro Preto para a cadeia, Deodoro montou o cavalo baio e saudou de novo a tropa, agora gritando “viva a República! Viva a República!”
Decidiram os militares empreender a “marcha da vitória”, com a tropa desfilando pelas ruas do centro do Rio, com banda de música e a população ainda sem saber porque, já que a República fora proclamada sem povo, quase de madrugada. Foi preciso que à tarde, José do Patrocinio, republicano e vereador na Câmara Municipal, realizasse uma sessão solene participando aos presentes que o Brasil era uma república. A sequência do acontecido fica para outro dia.
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