Por Alon Feuerwerker*
Talvez as despesas com programas sociais, o Auxílio Brasil/Bolsa Família de carro-chefe, possam ser classificadas como “investimento” no plano retórico. Mas no universo das realidades materiais elas nunca deixarão de ser gastos de custeio. Talvez faça sentido politicamente deixar para sempre certas despesas de custeio fora do limite imposto pelo teto constitucional de dispêndios. Pelo ângulo da economia, não. Se for para liberar desse limite alguma rubrica, melhor que seja investimento, pois este alavanca o mais eficiente programa social de todos: o emprego.
Seria, entretanto, quixotismo puro olhar a política pelas lentes de uma racionalidade fria, pois os políticos são em larga medida escravos dos grandes movimentos de opinião. E há consenso sobre a necessidade de continuar pagando os R$ 600 às mais de 21 milhões de famílias hoje cadastradas para receber o benefício. Então é provável que o Parlamento escolha o caminho mais fácil, em vez de enveredar pelo pântano de tentar cortar outras despesas de custeio para conseguir encaixar essa não tão nova.
O que facilitaria, quem sabe?, abrir um buraco no teto de gastos para os investimentos.
No final do arco-íris alguma solução será encontrada, pois interessa a todo o mundo político achá-la. Mesmo que venha a ser uma gambiarra.
De gambiarra em gambiarra o teto de gastos agoniza, e já faz algum tempo. Talvez valesse a pena aproveitar o renovado (está sendo assim desde 2020) consenso sobre a necessidade de furá-lo e buscar uma alternativa. Ou alternativa nenhuma e simplesmente revogá-lo, adotando a fórmula minimalista mais razoável: o Executivo pede ao Legislativo autorização para fazer certa despesa, e este decide se autoriza ou não. E diz de onde virá o dinheiro. Seria um cipoal a menos para desembaraçar.
Melhor do que persistir neste faz-de-conta, em que o teto de gastos está previsto na Constituição e a cada ano é preciso emendar a Constituição para desrespeitá-la. Ionesco puro.
Ainda sobre incongruências, uma é candidata a destaque. No debate sobre os recursos para manter programas sociais vitais, o verbo tem sido exatamente este: manter. Não se fala em ampliar.
Mas isso bate de frente com um dos pilares da narrativa vitoriosa na campanha eleitoral.
Pois se estabeleceu entre nós como verdade, a partir de um único estudo, que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, apesar dos R$ 600 mensais dados às 21 milhões de famílias do AB/BF. No último debate do 2º turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) procurou contornar esse ruído, associando a fome à recente reforma da Previdência. Duvidoso.
Ora, se 33 milhões de pessoas passam fome apesar de 21 milhões de famílias receberem R$ 600 por mês, uma de três situações é obrigatoriamente verdadeira: 1) o valor pago é insuficiente, precisa ser aumentado; ou 2) há 33 milhões de muito pobres fora do Auxílio Brasil/Bolsa Família; ou 3) há uma combinação dessas duas situações. De todo modo, a ser verdadeira a premissa, estaríamos diante de uma gravíssima emergência social. Que exigiria um plano imediato e recursos imediatos para ser enfrentada.
Mas não se vê nenhuma preocupação ou movimentação nesse sentido. Todo o debate gira simplesmente em torno de por quanto tempo prorrogar o que já existe. Ninguém fala em aumentar as famílias no programa ou aumentar o valor do benefício.
Nada como recorrer ao manjado reductio ad absurdum. Nunca falha.
*Jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação.
Formado em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), professor da rede publica. Tenho experiência também em colégios particulares e sou especialista em Assessoria de Comunicação pela UNP.
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