O presidente do PSD, Gilberto Kassab

Kassab se afirma como maior raposa da política brasileira

Por Jan Niklas e Thiago Prado / O Globo

No comando do PSD, partido que vai compor a base do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e futuro homem forte de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, Gilberto Kassab acredita que o PT acertou ao apoiar Arthur Lira (PP) para a presidência da Câmara dos Deputados mesmo após as críticas na campanha.

É o que ele diz nesta entrevista ao GLOBO, onde também fala sobre as indicações de seu partido para ministérios do futuro governo e alega não conhecer as ideias econômicas de Fernando Haddad (PT) para opinar sobre sua possível ida para o comando da Fazenda.

O PSD vai apoiar a reeleição de Arthur Lira ao comando da Câmara, assim como o PT de Lula e o PL de Jair Bolsonaro. São movimentos que mostram um emponderamento irreversível do Centrão na política brasileira?
Acho que apoiar o Lira é uma decisão correta, porque ele mostrou ao longo dos últimos tempos que é cumpridor e tem perfil pragmático. Lula vai iniciar o seu governo de maneira diferente de Bolsonaro, que começou sem alguma base quatro anos atrás. Com os partidos que estiveram na sua coligação, mais outras siglas como PSD e MDB, já conseguirá sair com aproximadamente 250 deputados ao seu lado. Além disso, com a ascendência que Lira tem no mundo do Centrão e o compromisso de governabilidade que está estabelecendo com Lula, alcançará 300 parlamentares nas votações que vão ocorrer.

Mas tudo isso não faz Lula cair no colo do Centrão e de Lira, a quem chegou até a chamar de “imperador do Japão” numa crítica feita meses atrás?
Campanha é campanha, né? Bolsonaro já disse durante uma disputa eleitoral que eu fui um péssimo ministro da Ciência e Tecnologia e que não sabia distinguir gravidez de gravidade. Nada disso me impediu de apoiar o Tarcísio de Freitas, candidato lançado por ele mesmo ao governo de São Paulo. Acontece. É preciso ter inteligência emocional na vida pública. Também discordo que Lula virou refém do Centrão. Ele está em busca de uma tranquilidade que o PT não teve no governo de Dilma Rousseff. A derrota na eleição da Câmara para Eduardo Cunha em 2015 custou muito caro. Não faria sentido o PT gastar energia contra Lira.

Pelo visto, até a promessa de campanha de Lula de acabar com o orçamento secreto parece estar ficando de lado…
Primeiro vamos aqui ser justos: não é secreto. Hoje ele é público e as pessoas sabem para onde vão os recursos.

Não… Ainda existem as indicações de usuários externos (mecanismo para burlar a transparência que coloca nomes de terceiros responsáveis pelas emendas em vez de deputados), além de haver uma distribuição desigual, sem obedecer a qualquer proporcionalidade…
Concordo que transparência sempre é bom melhorar, mas hoje você já consegue identificar a origem da emenda. Eu, na verdade, sou contra as emendas. Acaba criando uma dependência do mandato do parlamentar muito grande em relação a essas verbas e deteriorando a qualidade do mandato. A busca de recursos passa a ter uma importância muito maior do que as discussões que envolvem o país. Se for para continuar, eu entendo que as emendas deveriam ser iguais para todos os parlamentares numa equação que envolva o número de habitantes do estado. Não tem nenhum sentido um deputado de um estado pequeno ter o mesmo valor de emenda que o de um estado grande.

Pode-se dizer que PSD, MDB e União Brasil serão uma espécie de “Centrão do Lula” assim como PP, PL e Republicanos foram para Bolsonaro?
Não, PSD e MDB jamais estiveram nesse bloco, e o União Brasil é uma sigla nova. Agora, é evidente que vamos ajudar a governar e a indicar cargos, o que é a essência da democracia. Que fique claro que estou à distância das negociações, o deputado Antônio Brito e o senador Otto Alencar é que estão à frente disso. Mas o PSD tem três indicações muito qualificadas. O deputado Pedro Paulo Carvalho, habilitado na área econômica e na gestão do planejamento, seria um coringa para qualquer área; o senador Carlos Fávaro, que conhece como poucos o que precisa ser feito para melhorar nossas políticas na agricultura; e o senador Alexandre Silveira, que vi especulado na área da infraestrutura, o que seria bem interessante.

Essa base que Lula está montando será suficiente para aprovar a PEC da Transição como ela está ou haverá mudanças?
Há um pouco de gordura porque é comum que seja proposto desta forma. Pelas informações que tenho, a PEC deve passar com prazo de dois anos e abertura de espaço fiscal entre R$ 90 e R$ 120 bilhões (a proposta fala em quatro anos e crescimento dos gastos de R$ 198 bilhões). Mesmo assim, é preciso aliar a saúde social do país com responsabilidade fiscal. Eu, por exemplo, acho que o teto de gastos deveria ser mantido com algum tipo de aperfeiçoamento.

O senhor acha que o Haddad, cotado para comandar a Fazenda, seu adversário nas eleições deste ano em São Paulo, é um bom ministro para ter essa responsabilidade fiscal que acha importante?
Ele tem um posicionamento ideológico diferente do meu e nunca o ouvi com profundidade em relação a algum tema vinculado às políticas econômicas. Como eventual candidato a ministro da Economia, eu nunca tive uma conversa mais profunda com ele. Como qualquer brasileiro, me preocupo com a possibilidade de não dar certo, mas torço para que dê. É um dos bons quadros da vida pública brasileira e tem todas as condições de ser um bom ministro.

Acha que o terceiro governo Lula na economia será mais a cara de Antonio Palocci ou Guido Mantega (seus dois ministros da Fazenda entre 2003 e 2010)?
Acho que ele vai se esforçar para ser mais Palocci. Lula deve ter saudades e boas recordações daquele tempo que passou.

Como o senhor vê a reação de Bolsonaro à derrota, mantendo silêncio enquanto atos antidemocráticos ocorrem nas ruas?
Nós temos que reconhecer que Bolsonaro teve um desempenho eleitoral extraordinário. Ele perdeu as eleições, mas mostrou que o Brasil vive uma crise e está literalmente dividido no meio. Vamos reconhecer publicamente que, em determinado momento, o presidente teve uma postura correta, pediu para que os movimentos obedecessem a liberdade de circulação e não fossem manifestações violentas. Ele teve dificuldade no plano pessoal de compreender a derrota, foi uma frustração muito grande. Mas o mais importante é que a transição está sendo conduzida, a posse está marcada, e os titulares do Ministério estão sendo escolhidos.

O senhor foi escolhido na semana passada como secretário de governo de Tarcísio, um posto-chave na estrutura administrativa paulista. O senhor o vê como candidato a presidente em quatro anos?
Eu acredito que ele devia trabalhar para ficar oito anos fazendo um grande governo e depois buscar o reconhecimento do eleitor para aí sim ter essa oportunidade. Mas tenho certeza que será presidente um dia. Em 2030 ou 2034.

Então qual será o projeto do PSD para 2026?
É muito cedo, mas é sempre bom trabalhar com uma candidatura própria e é evidente que temos bons quadros. O Ratinho Jr, reeleito governador no Paraná, senadores Otto Alencar e Rodrigo Pacheco, além do prefeito do Rio, Eduardo Paes.

O fato do senhor ser base do Lula e do Tarcísio ao mesmo tempo não contribui para uma imagem fisiológica do PSD?
Seria fisiológico se eu estivesse pleiteando algo para mim no primeiro escalão do Lula. Fiz campanha junto com a Dilma, então tudo foi mais natural para ser ministro no passado. É normal que aqueles que apoiaram Lula desde o primeiro turno, como Eduardo Paes, negociem espaços.

O senhor decidiu ficar neutro na eleição presidencial. Agora que a disputa já passou há mais de um mês, pode contar em quem o senhor votou para presidente, afinal?
Não lembro, faz muito tempo, né? (risos).

Vai continuar sem responder se a escolha foi Lula ou Bolsonaro em outubro?
Estou com um problema de memória. (risos novamente).

 

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