Ascânio Seleme / O Globo

Não culpem Aloizio Mercadante pelos solavancos do mercado. Muito menos Fernando Haddad. Este, aliás, só tem feito apaziguar ânimos e injetar otimismo e confiança nos mais reticentes quanto à responsabilidade que quer empregar na condução da economia. O problema é outro, maior, mais complexo e atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidente eleito pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança. Talvez porque se empolgue demais com a plateia ou com os acontecimentos prévios.

TOM DE DESAFIO – O anúncio de Mercadante para o BNDES teve estes dois componentes. Primeiro, Lula estava irritado com a baderna terrorista da véspera em Brasília e abriu aquele discurso atacando Bolsonaro, parecia ainda em campanha. Depois, reagiu empolgado. Disse que ouviu críticas ao companheiro e boatos de que ele iria para o banco. E, então, num rompante, anunciou:

“Não é mais boato, Mercadante será presidente do BNDES”. Não precisava desse tom, que pareceu um desafio. E ainda avisou que não haverá privatizações no seu governo, uma permanente expectativa do mercado brasileiro. Claro que haveria solavancos.

Além do presidente do BNDES, Lula já nomeou alguns ministros e deixou pistas bem claras sobre outros nomes do primeiro e do segundo escalões. O leitor pode até ter algumas restrições a um ou outro nome, mas não pode negar que este elenco é algumas dezenas de vezes melhor, mais comprometido com a causa pública, mais ilibado, mais competente e bem mais patriota do que o time que vai sair de campo no fim do ano.

DESENVOLVIMENTISTA – Mesmo diante dessa avalanche de bons nomes, o mundo veio abaixo quando Lula anunciou Mercadante. Faz até sentido o temor do mercado com o ex-senador, considerado um desenvolvimentista, o que soa como palavrão no dicionário liberal.

O mundo é outro, moderno, tecnológico, digital, não cabe mais basear o crescimento econômico na produção industrial. Mercadante foi de fato formulador econômico do PT nos anos 90, mas só entrou para o governo com Dilma, quando ocupou os ministérios da Ciência e Tecnologia, Educação e Casa Civil.

Não foi, nem de longe, responsável pela política econômica desastrosa de Dilma, cuja elaboração coube a Guido Mantega.

HADDAD TRANQUILIZA – O mercado até se tranquilizou em razão de entrevistas onde Haddad reiterou que vai perseguir o equilíbrio, o controle e a previsibilidade na economia. Para a GloboNews, disse que “responsabilidade fiscal é parte da responsabilidade social”. Significa que sem a primeira não se alcança a segunda. Não dava para ser mais claro.

Mesmo com a absurda mudança da Lei das Estatais, que atende tanto ao Centrão quanto ao novo governo, o episódio Mercadante parecia superado. Aí veio o Lula. Outra vez.

O presidente eleito reiterou numa reunião com catadores de papel em São Paulo, quinta-feira, que, embora tenha sido eleito para governar todos os brasileiros, sua preferência será pelos mais pobres. Não poderia ser diferente. Trinta milhões de miseráveis devem ter mesmo prioridade em qualquer governo, petista ou não. O problema é que Lula fala mais rápido do que pensa. No encontro, empolgado, disse que não dá para cuidar de pobre “olhando a política fiscal”. Justamente o contrário do enunciado por Haddad na véspera. Está claro que não dá para culpar Mercadante.

 

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