Por Antonio de Pádua Ribeiro
Quando do sesquicentenário do nascimento de Ruy Barbosa, publiquei o seguinte texto, que ora republico em sua homenagem, por ocasião do centenário da sua morte, ocorrido dia 1º de março.
Homens há inolvidáveis. Homens há cuja existência é luz do mundo e sal da terra, cujas ações elevam a tal altura as possibilidades humanas que nos fazem sentir orgulho de ser homens e compartilhar de uma natureza capaz de tão notáveis obras. Dessa estirpe é Ruy Barbosa.
FOI UM GUERREIRO – Inexcedível orador, notável advogado, desprendido político, defensor intransigente do direito, da justiça, da liberdade, da pátria. Citar suas qualidades é um truísmo do qual não se pode fugir, sob pena de omissão.
A grandeza do seu caráter e da sua inteligência, aliada à imbatível força interior que o impulsionava, justifica o gáudio que se apossa de cada um que reparte, com diamante de tal quilate, a terra que a ele e a nós acolheu.
Ilustrar as razões pelas quais se deve celebrar essa data é tarefa de singular facilidade. Basta invocar a vigorosa dialética do mestre, a extensão e profundidade de sua cultura, as palavras que legou aos pósteros, as quais ora afagam, ora queimam, contudo marcam sempre indelevelmente.
OPERADOR DO DIREITO – Basta relembrar o operador incansável do direito, o jornalista profícuo, o parlamentar combativo, pois é unânime o reconhecimento da herança intelectual que nos legou Rui Barbosa, e é indiscutível a atualidade de suas ideias, forjadas
que foram na universalidade, característica das obras de gênio, fator de paridade entre os grandes pensadores. Para essas ideias não há limite no espaço ou no tempo; pairam acima dos fatos que as tenham gerado, transcendendo-os.
As controvérsias em que atuou podem ser delimitadas; não o podem ser, no entanto, suas lições, seus ensinamentos. Como justificar a modernidade de obras que já contam mais de um século? Desconhecêssemos nós a autoria e poderíamos crer, ao ler hoje o pensamento de Ruy, tratar-se de declarações contemporâneas, tal a adequação delas ao nosso tempo.
GRANDES VALORES – Seus argumentos lastreavam-se, mais que em fatos, em valores. A águia que assombrou estadistas em Haia tinha por estandarte a liberdade, a justiça, o direito; ultrapassava o objetivo imediato de distribuir justiça a um indivíduo, para proclamar as garantias sob as quais deveriam estar abrigados todos os homens.
Isso se explica, plenamente, porque, ao invés de satisfazer-se com a calmaria das superfícies, buscou sempre a profundidade das questões, revolvendo-lhes as causas, os fundamentos, discutindo seus fins.
Mergulhar em seus textos equivale a imergir num caudal de amor aos homens, fé na justiça, esperança no futuro. Não se iludia, entretanto, o ilustre baiano; não ignorava a fraqueza de alguns, a vilania de muitos; era incansável, por isso mesmo, em suas admoestações para que não fossem “…nossos filhos, condenados ao amargor dos fructos de nossas fraquezas”.
DIREITOS SOCIAIS – A depender da fortaleza moral do franzino Ruy, menores agruras herdaria o seu povo. Com a presciência dos estudiosos, antecipou-se na discussão de questões que ainda hoje constituem nó górdio na sociedade brasileira: os “direitos sociais”, dos quais foi um precursor ao defender o estabelecimento de um salário mínimo, as relações entre as classes ou a necessidade de dignificar o trabalhador do campo.
Dele afirmou o saudoso Professor Alfredo Buzaid: “A sua filosofia política rasgou o horizonte do futuro precisamente porque ele o vislumbrou como um profeta; e o seu legado testemunha a profundidade do estadista que, sem ter exercido a primeira magistratura do Estado, construiu pelo magistério as linhas básicas da democracia social brasileira”.
MUITOS PREDICADOS – Na verdade, longa seria a enumeração de seus atributos e, pudéssemos esgotá-los em número, mesmo assim não avaliaríamos suficientemente seu alcance. São imperecíveis as obras de Rui Barbosa, visto que se tornam imorredouras as obras que têm valor de verdade em qualquer época. Assim, é justa nossa reverência não só por aquilo que disse, mas, principalmente, porque viveu de acordo com o que disse.
Em suas próprias palavras: “Tenho o consolo de haver dado a meu país tudo que estava a meu alcance: a desambição, a pureza, a sinceridade, os excessos de atividade incansável, com que, desde os bancos acadêmicos, o servi, e o tenho servido até hoje”. Quis Deus, para nosso bem, que nem a morte interrompesse seu serviço. Possa o futuro ser digno desse legado.
(Artigo enviado por José Carlos Werneck. O autor, Antonio de Pádua Ribeiro, é ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça)
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