Uma semana após o imposto sobre exportações de petróleo cru, implementado por medida provisória (MPV 1.163/2023) editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entrar em vigor, companhias globais de energia e dois partidos políticos já ingressaram na Justiça para barrar a iniciativa.

O tributo teve alíquota estabelecida em 9,2% e é tratado pelo governo federal como forma temporária (com duração prevista de quatro meses) de compensar parte da desoneração mantida sobre os combustíveis. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, a medida pode gerar R$ 6,6 bilhões aos cofres públicos.

Nos últimos dias, o InfoMoney apontou para o risco elevado de judicialização da matéria e a forte insatisfação do setor e da classe política com o movimento. Para críticos, o governo teria desvirtuado a aplicação de um tributo de caráter regulatório ao utilizá-lo para finalidade essencialmente arrecadatória, de recomposição de receitas do orçamento público.

O instrumento do imposto sobre exportação foi utilizado pelo fato de, entre uma gama de alternativas tributárias, seria uma das poucas a não exigir necessidade de cumprimento de noventena (isto é, um prazo de 90 dias após o anúncio) para passar a valer.

Na prática, a aplicação da espera implicaria em derrota política para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que lutou desde a posse do novo governo pela reoneração total e imediata dos combustíveis e neste caso sofreria com uma prorrogação de frustração de receitas − o que vai na contramão das suas primeiras medidas anunciadas para equilibrar as contas públicas.

No ramo das petroleiras, gigantes como Shell, Equinor e TotalEnergies ajuizaram em conjunto um pedido de liminar junto à Justiça Federal contra a nova cobrança de imposto sobre exportação de petróleo brasileiro.

“A medida, que foi anunciada sem um diálogo significativo com a indústria, joga incerteza sobre novas decisões de investimentos, afetando a competitividade do Brasil no setor de Exploração e Produção – em que o Brasil tem um forte potencial geológico”, disse em nota a Shell Brasil.

A companhia é uma das principais parceiras da Petrobras no pré-sal e a segunda maior produtora de petróleo do país, atrás da estatal.

“O Congresso brasileiro poderá optar por interromper a vigência da cobrança deste imposto sobre exportação ou renová-lo para além dos quatro meses atuais. Portanto, ainda é cedo para se especular sobre os seus impactos potenciais”, acrescentou. Repsol Sinopec e Petrogal, da Galp, também participaram da ação ajuizada pelas petroleiras.

Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) já havia iniciado um esforço grande junto a parlamentares no convencimento dos impactos negativos da medida lançada pelo governo não só para o setor petrolífero, mas para a economia brasileira.

Em nota, o órgão disse que “a tributação das vendas externas, mesmo de forma temporária, pode impactar a competitividade do país a médio e longo prazos, além de afetar a credibilidade nacional no que tange a estabilidade das regras”.

Resistências políticas

No Congresso Nacional, a medida provisória teve 89 emendas protocoladas por parlamentares, com pedidos de modificação ao texto original. Deste total, pelo menos 24 pedem a supressão do artigo 7º, justamente o trecho que institui o imposto sobre exportação de petróleo cru.

Desde que a insatisfação do mundo político se mostrou latente, o Palácio do Planalto passou a considerar deixar a medida provisória em banho maria no parlamento.

Do lado da Fazenda, a avaliação é de que a caducidade da matéria não seria um problema para as contas públicas, já que, se nada fosse feito, haveria recomposição automática dos tributos federais − ideia preferida de Haddad na disputa contra a ala política, mas que precisou ser modulada.

Mas mesmo uma falta de empenho do Executivo teria riscos. Isso porque, dependendo do nível de descontentamento de deputados e senadores, o Congresso pode decidir votá-la. O risco para o governo, neste caso, seria de, ao ter a MPV analisada, perder o imposto de exportação e não ter a recomposição do PIS/Cofins para os valores anteriores, o que resultaria em perda de arrecadação.

Por outro lado, o excesso de medidas provisórias pendentes de análise em tempo curto pelo Poder Legislativo e o impasse remanescente sobre a distribuição do comando das principais comissões na Câmara dos Deputados poderia jogar a favor do governo. Mas o ingresso do assunto na Justiça era dada como questão de tempo por especialistas no setor.

Além de gigantes petrolíferas, dois partidos políticos de oposição ao governo − o Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o Partido Novo − ingressaram com duas Ações Distintas de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) requerendo a suspensão da aplicação do imposto sobre exportações de petróleo cru.

Em sua peça, o PL alega que o governo buscou “esquivar-se, ainda que inconstitucionalmente, dos princípios da anterioridade (cláusula pétrea), da previsibilidade e da segurança jurídica” estabelecidos pela Constituição Federal ao optar pelo uso de um tributo de caráter regulatório para fins de recomposição de receitas frustradas com a reoneração apenas parcial dos combustíveis.

A sigla diz, ainda, que, na prática, o Executivo travestiu o imposto extrafiscal de uma espécie de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que não pode incidir sobre exportações e exige cumprimento do princípio da anterioridade.

“A justificativa do governo para instituição do imposto sobre exportação é exclusivamente fiscal, arrecadatória, de modo que há claríssima e inconstitucional utilização de um expediente predominantemente extrafiscal para fins exclusivamente fiscais”, sustenta o partido.

“Caso se admitisse ao Poder Executivo, através de Medida Provisória, a instituição de impostos com objetivo diretamente arrecadatório, mas travestidos de impostos extrafiscais, permitir-se-ia manobra flagrantemente inconstitucional, utilizada unicamente para desviar a obrigatoriedade do respeito ao princípio da anterioridade tributária, restringindo direitos estabelecidos na Carta Magna sem qualquer respaldo”, argumenta.

“Fossem admissíveis tais atenuações àquela garantia dos cidadãos, em vez de conceder-se maior eficácia à cláusula pétrea da anterioridade tributária (…), estar-se-ia, por mitigação infraconstitucional do princípio, a defender unicamente interesses fiscais, sem fundamento constitucional”, prossegue.

O PL ressalta que, no caso concreto, só seria possível falar do o caráter extrafiscal na criação do imposto de exportação se a medida fosse acompanhada de um extenso programa dedicado ao refino do petróleo cru no país − o que o partido diz não verificar, sobretudo pela duração de quatro meses da ação.

A sigla destaca, ainda, os impactos da medida já em vigor sobre a arrecadação de entes subnacionais. “Além da inconstitucionalidade flagrante, cumpre esclarecer os efeitos consequenciais da norma ora impugnada, que afeta em maior escala os Estados produtores de petróleo – com destaque para Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e São Paulo –, porquanto ostenta a gravíssima consequência de afastar investimentos, inclusive internacionais, em exploração e produção de petróleo, com efeito negativo na arrecadação de tributos estaduais, receitas de royalties, participação especial de petróleo e dividendos estatais”.

“Isso sem contar a inequívoca redução de empregos, ante a queda dos incentivos de produção, o consequente empobrecimento da economia e a crise de confiança e de credibilidade gerada, tanto nacional quanto internacionalmente”, pontua a legenda na ação.

Já o Partido Novo, destaca que, “não há, na justificação da Medida Provisória nº 1.163, de 2023, qualquer menção à crise de abastecimento do mercado nacional dos produtos que passaram a ser tributados”.

“Essa justificação não ocorreu porque não há atualmente esse problema de abastecimento. Sabe-se que, ao contrário, a capacidade de processamento do Brasil é bem inferior à capacidade de extração desses produtos, ou seja, mesmo com essa medida não é esperado nenhum aumento da produção brasileira de combustíveis”, diz.

A sigla também não vê finalidade regulatória na ação e cita entre as consequências um possível risco inflacionário, que poderia prejudicar as perspectivas para uma política monetária mais frouxa. “A medida constitui um desincentivo à exportação, reduzindo a entrada de dólares no país e, assim, aumentando seu valor, o que contribui para o aumento da inflação e, consequentemente, manutenção dos juros em patamares elevados, comprometendo a geração de empregos e renda”, pontua.

“Ademais, essa medida de tributar a exportação de petróleo e assemelhados apresenta, entre outros, os seguintes efeitos negativos: a) desestimula investimentos em exploração e produção de petróleo no Brasil; b) estabelece precedente perigoso, no sentido de se usar o imposto de exportação em outros setores e/ou produtos (minérios, soja, café, açúcar, carnes etc); e c) petroleiras em operação no país (algumas dezenas, desde multinacionais a empresas brasileiras de menor porte) tendem a resistir à medida, por meio do aumento da litigiosidade e implicará na formação de um passivo fiscal”, conclui.

 

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