A suspensão do novo ensino médio afeta diretamente 48.569 alunos da rede pública de ensino do Rio Grande do Norte, que estavam estudando sob a estrutura curricular do modelo, mas que agora vivem um cenário de indefinição. Com a suspensão, estudantes e professores não sabem se a aplicação da prova do Enem em 2024 seguirá as regras do modelo do novo Ensino Médio, conforme previsto anteriormente pelo Ministério da Educação. Em outras palavras, quase 50 mil alunos iniciaram uma preparação para um modelo de Enem que não se sabe se será aplicado. Apesar disso, o Governo do RN mantém a reestruturação do ensino médio nas unidades em que a política já foi implementada e aguarda “orientação” do Ministério da Educação.
O contingente de 48,5 mil diz respeito aos alunos que cursaram a 1ª série do novo ensino médio em 2022 e estariam aptos a fazer a prova do Enem em 2024. O dado corresponde a 41% dos estudantes matriculados nos centros educacionais na rede estadual. De acordo com a Secretaria de Estado da Educação, da Cultura e do Lazer (SEEC), a nova grade do ensino médio já vem sendo aplicada em 307 escolas. “Por ora, manteremos a normalidade das atividades nas unidades que estão organizadas com o atual modelo de ensino médio”, informou a pasta.
O novo modelo de ensino médio começou a ser implantado no ano passado de forma progressiva, primeiramente para o 1º ano, depois para as turmas do 2º ano em 2023, até chegar no 3º em 2024. O cronograma foi suspenso oficialmente nesta quarta-feira (5) com a publicação da Portaria nº 627/2023, assinada pelo ministro Camilo Santana. Embora o Governo Federal tenha confirmado a suspensão, ainda não há sinalização de revogação ou retomada do modelo, o que vem causando um ambiente de “angústia e incerteza” entre gestores, professores e alunos.
Sintoma disso é a continuação da aplicação do novo modelo de ensino médio nas escolas do Estado – pelo menos nas que não aderiram à greve da educação. Na Escola Estadual José Fernandes Machado, no bairro de Ponta Negra, os alunos seguem estudando sob a nova grade curricular. A coordenadora-geral da unidade, Dayse Araújo, diz que os itinerários formativos – chamados de “trilhas” no Rio Grande do Norte – continuam sendo oferecidos, com base nas orientações do novo ensino médio.
“Temos trilhas relacionadas à língua portuguesa, geografia, inglês, por exemplo”, comenta. No entanto, reconhece a gestora, as trilhas não estão sendo repassadas da maneira ideal, como prevê o documento normativo do novo ensino médio, diante de uma série de dificuldades, que envolve contexto de vulnerabilidade social de alunos, número insuficiente de professores e falta de estrutura. “O primeiro choque que eu tive foi em relação à quantidade de docentes que eu teria à disposição. O que nós tentamos fazer foi reunir os professores, escolhermos as trilhas e executarmos, mas de uma maneira distante do ideal”, explica Dayse Araújo.
A gestora ressalta que não é contra mudanças no ensino médio, mas comemorou a suspensão diante das dificuldades de implementar a reforma. “O modo como está hoje é caótico por que até o presente momento foi suspenso, mas nós permanecemos executando o Ensino Médio Potiguar [forma como o novo ensino médio é chamado no RN]. É um cenário de incertezas, de dúvidas, de muitas deficiências e lacunas que mais atrapalham do que favorecem”, destaca.
O contexto também deixa um ponto de interrogação na cabeça de estudantes que sonham em entrar na universidade. A estudante Leonice Dantas, 17 anos, é uma das que continua seguindo o cronograma do ensino médio remodelado, mesmo após a suspensão. Em um dia da semana, ela tem uma carga horária dedicada aos itinerários formativos – ou trilhas. Nas quarta-feiras, a rotina da estudante começa às 6h e se estende até as 17h30.
Sonhando em entrar no curso de Direito, a adolescente, que está no 2º ano, teve a preparação atravessada pelas indefinições acerca do novo ensino médio. “É muito ruim porque prejudica nossa preparação. Além disso, nossa rotina tem sido muito puxada do jeito que as trilhas vêm acontecendo. As trilhas estão sendo aplicadas como um aprofundamento das matérias que já temos normalmente”, relata.
Isabelly Moura, 16, também está no 2º ano do ensino médio e reclama da forma como os itinerários têm sido implementados. “O que a gente vê é que nas trilhas nós estamos aprofundando o que a gente vê nas matérias da semana. É muito cansativo porque passamos a ter mais disciplinas e ficar muito mais tempo na escola. Acaba que dessa forma a gente não aproveita muita coisa”, reclama Isabelly.
Suspensão de modelo divide opiniões de especialistas
O especialista em educação e professor universitário, Gustavo Fernandes, diz que a suspensão acaba atrapalhando o planejamento das escolas, que já estavam tentando se adaptar à nova realidade. “Depois que a política foi implantada, acho que a ideia era dar continuidade e com o passar do tempo fazer modelagens, ajustes. Simplesmente voltar atrás é perder tempo depois de tudo que foi planejado. Querendo ou não isso demanda um investimento, uma preparação”, opina.
Já a professora e diretora da Escola Estadual Desembargador Floriano Cavalcante (Floca), Ohara Pacheco, vê como positiva a suspensão e confia na revogação do modelo. “Não se trata do mérito, se é bom ou ruim, mas das condições. Redundantemente falando, é tudo muito novo”, diz. No entanto, reconhece que a notícia causou um misto de “angustia e incerteza” por causa da falta de clareza sobre o que será feito. “Não recebemos nada oficial, ficamos sabendo das informações na mídia”, acrescenta Ohara. No Floca, que está sem aulas por conta da greve, o novo modelo também já foi implementado no ano passado.
Novo Ensino Médio
A atual política do Ensino Médio foi criada pela Lei 13.415 de 2017, no governo Michel Temer, com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa, implantar o ensino integral e evitar que os estudantes abandonem os estudos. Com o modelo, parte das aulas deverá ser comum a todos os estudantes do país, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Entre as opções, está dar ênfase às áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico. A oferta de itinerários, entretanto, depende da capacidade das redes de ensino e das escolas.
Pela lei, para que o novo modelo seja possível, as escolas devem ampliar a carga horária para 1,4 mil horas anuais, o que equivale a sete horas diárias. Isso deve ocorrer aos poucos. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), mesmo em meio à pandemia de covid-19, as secretarias estaduais mantiveram o cronograma e todos os estados já estão com os referenciais curriculares do novo ensino médio homologados.
Em 2023, a implementação segue com 1º e 2º anos e os itinerários devem começar a ser implementados na maior parte das escolas. Em 2024, o ciclo termina, com os três anos do ensino médio.
Tribuna do Norte
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