Em meio a tropeços e resistências mútuas, o governo Lula iniciou movimentos de aproximação com lideranças ruralistas, policiais e evangélicas, de olho em azeitar a articulação política no Congresso. Levantamento do GLOBO aponta que parlamentares das bancadas do boi, da bala e da Bíblia, como são chamadas, se uniram contra o Palácio do Planalto na derrubada de trechos de decreto sobre o marco legal do saneamento, na última quarta-feira.
Essa votação foi a primeira grande derrota de Lula na Câmara. Os acenos à “bancada BBB”, seja com pautas de impacto econômico ou simbólico, também miram suavizar a imagem petista em segmentos do eleitorado que apoiaram majoritariamente o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Numa tentativa de agradar profissionais de segurança pública, a base governista articula a edição de uma medida provisória para conceder reajuste salarial de 18% às forças policiais do Distrito Federal, cuja remuneração depende de um fundo constitucional alimentado pelo Executivo — esse percentual é o dobro do garantido a servidores federais.
Segundo o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), uma reunião realizada na sexta-feira com representantes de ministérios “aparou as arestas” que restavam. Na véspera, o governo do DF havia formalizado um pedido para que cerca de R$ 1 bilhão do fundo constitucional seja empregado no reajuste. O governo federal deu sinal verde à operação e deve iniciar os trâmites amanhã ou terça, com o envio de um projeto ao Congresso.
Presidente da Câmara Legislativa do DF e policial civil, o deputado distrital Wellington Luiz (MDB) avalia que o gesto do Planalto vem em boa hora, após um relacionamento que começou conturbado em meio aos ataques golpistas de 8 janeiro.
“Considerando que a esquerda tem uma dificuldade histórica com a categoria, essa é uma sinalização extremamente importante de que este governo federal não terá problema e que pretende manter uma relação de harmonia com as forças de segurança”, afirmou Luiz.
Em outra frente com potencial de atritos, o Ministério da Justiça pretende priorizar repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública para estados que implementarem câmeras em fardas de policiais. A adoção do equipamento gera contrariedade inclusive em estados onde está em vigor, como São Paulo. A iniciativa faz parte das ações do novo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), relançado por Lula em março com um discurso crítico à violência policial.
Bancada em expansão
A dificuldade do PT com a “bancada BBB” remonta ao governo Dilma Rousseff, momento em que ruralistas e evangélicos ampliaram sua participação no Congresso e passaram a atuar como bloco de oposição a agendas consideradas “progressistas” ou “de esquerda”. Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) sobre as bancadas temáticas aponta que a presença evangélica dobrou de tamanho na Câmara entre o segundo mandato de Lula, quando havia 36 deputados, e o primeiro mandato de Dilma, com 70. A bancada ruralista atingiu seu ápice entre 2011 e 2014, com 152 deputados, segundo a série histórica do Diap. Já a da bala cresceu em 2018, quando triplicou de 22 para 61 deputados na onda bolsonarista.
O primeiro revés de Lula na Câmara neste ano trouxe à tona o nível elevado de resistências dessas bancadas ao governo petista, o que reduz sua margem de manobra para a aprovação de projetos. Após Lula editar decreto suspendendo previsões do Marco Legal do Saneamento Básico, a Câmara contra-atacou e aprovou, com ampla maioria, um projeto para retomar esses trechos, com 295 votos — equivalente a 68% do quórum. A contrariedade com o governo foi ainda mais sólida entre ruralistas, policiais e evangélicos, que entregaram mais de 90% de seus votos par a derrubada de trechos do decreto.
Entre os ruralistas, que deram o maior percentual (95%) de votos contrários ao governo, a relação no início do mandato de Lula é marcada por altos e baixos. Invasões promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no último mês ampliaram pressões do agro, cujas principais associações penderam para Bolsonaro em 2022. O ponto mais crítico foi o episódio, na última semana, em que o presidente da Agrishow, Francisco Matturro, sugeriu que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, não comparecesse à abertura do evento, uma das principais feiras agrícolas do país, para evitar “constrangimento” com a presença de Bolsonaro.
“Respeito mútuo”
Em reação, o governo federal anunciou que o Banco do Brasil deixaria de patrocinar a feira, que acabou suspendendo a cerimônia de abertura. O episódio, embora tenha desgastado o governo, também chamuscou a ala mais bolsonarista do agro. Matturro foi substituído no comando da Agrishow por João Carlos Marchesan, um dos empresários que tem sinalizado mais abertura à gestão petista. No lançamento do novo “Conselhão”, na última quinta-feira, que conta com participação do MST, Lula deu a palavra à pecuarista Teresa Cristina Vendramini. Conhecida como Teka, ela presidiu a Sociedade Rural Brasileira (SRB) no ano passado, quando o grupo apoiou formalmente a reeleição de Bolsonaro. Em sua fala, Teka criticou a “polarização” e ressaltou ter boa relação com Lula. “Não tenho dúvida de que precisamos de diálogo e de que o respeito mútuo prevaleça”, disse.
O Conselhão, por outro lado, não incluiu lideranças evangélicas, ao contrário do que ocorreu em outras gestões petistas. Em 2003, no primeiro mandato de Lula, o pastor Silas Malafaia, hoje aliado de Bolsonaro, foi nomeado para o colegiado, por exemplo. Com dificuldades para reconstruir pontes com as maiores igrejas, receosas com a agenda de costumes e ainda alinhadas ao bolsonarismo, Lula escalou o vice-presidente Geraldo Alckmin. Elogiado por políticos ligados à Assembleia de Deus e à Igreja Universal, Alckmin deu seu primeiro passo concreto ao participar da convenção nacional da Assembleia de Madureira (Conamad), em Brasília, há duas semanas.
Presença frequente em eventos do tipo em seu mandato, Bolsonaro segue alimentando o vínculo com as igrejas. Na semana passada, foi aplaudido durante a exibição de um vídeo gravado especificamente para o congresso Gideões, da Assembleia de Deus de Balneário Camboriú (SC), um dos maiores do segmento.
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Formado em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), professor da rede publica. Tenho experiência também em colégios particulares e sou especialista em Assessoria de Comunicação pela UNP.
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