
Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)
Por Pedro do Coutto
O debate em torno do Projeto de Lei da Anistia, relatado por Paulinho da Força, revela mais uma vez a criatividade peculiar do Congresso Nacional para produzir soluções que, longe de resolver impasses, acabam por ampliar dilemas institucionais.
Ao optar por descartar a proposta de uma anistia ampla e irrestrita e substituí-la pela ideia de redução das penas aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal, o relator buscou oferecer uma saída política para acalmar os ânimos entre governo, oposição e parte da sociedade.
DECISÃO JUDICIAL – Mas o caminho escolhido está longe de ser razoável. Como pode o Legislativo, em pleno funcionamento de um regime democrático, propor a redução de penas que foram aplicadas por decisões judiciais já transitadas em julgado? A questão expõe não apenas um problema jurídico, mas uma ameaça concreta à separação dos Poderes e à credibilidade das instituições.
A Constituição estabelece limites claros à concessão de anistia, especialmente em crimes que atentam contra o Estado Democrático de Direito. Juristas de renome têm reiterado que uma medida desse tipo, seja em forma de perdão pleno ou de redução artificial das condenações, fere o princípio da responsabilização, tão essencial à manutenção da ordem democrática.
Ao tentar “negociar” penas para atos que envolveram ataques às instituições e tentativa de golpe, o Parlamento transmite a mensagem de que a política pode relativizar a Justiça, como se a lei fosse apenas mais um campo de barganha.
LEGITIMIDADE – É nesse ponto que a proposta perde qualquer legitimidade, porque não se trata apenas de rever penas individuais, mas de reescrever simbolicamente a resposta do Estado a um episódio que feriu o pacto constitucional.
A redução de penas, sob a justificativa de pacificar o ambiente político, representa um risco ainda maior do que a própria anistia. Ao diminuir a gravidade das sanções, o Congresso estaria abrindo um precedente perigoso: o de que crimes contra a democracia podem ser tratados com benevolência caso haja conveniência política.
Isso fragiliza a noção de responsabilização, gera sensação de impunidade e alimenta a ideia de que novos atentados às instituições podem ocorrer sem consequências sérias. Em vez de acalmar os ânimos, a medida tende a agravar a crise, porque o Supremo não pode simplesmente se omitir diante de uma lei que interfira em sua competência, e o governo dificilmente sancionaria um projeto dessa natureza sem enfrentar severo desgaste interno e internacional.
TENTATIVA DE RUPTURA – É importante lembrar que o 8 de janeiro não foi apenas um episódio isolado de vandalismo. Foi uma tentativa de ruptura institucional, planejada e financiada por grupos organizados, que buscavam minar a legitimidade do processo eleitoral. Tratar os condenados como meros manifestantes punidos em excesso é apagar deliberadamente a gravidade dos fatos. A democracia não se sustenta em concessões feitas àqueles que tentam destruí-la; ao contrário, ela se fortalece quando mostra que os limites do jogo democrático não podem ser ultrapassados sem consequências.
O Brasil já convive com um histórico de anistias controversas que, em nome da pacificação, resultaram em silêncios e omissões graves. Repetir o mesmo expediente em pleno século XXI seria um retrocesso incompatível com o amadurecimento democrático que o país precisa demonstrar.
CONFIANÇA SOCIAL – O que está em jogo não é apenas a situação de indivíduos condenados, mas o princípio de que nenhum ataque ao Estado de Direito pode ser tolerado. Ao reduzir penas ou relativizar a punição, o Congresso enfraquece a confiança social na Justiça e abre margem para a normalização da violência política.
Portanto, a tentativa de apresentar a redução de penas como solução equilibrada é, na verdade, um equívoco que ameaça a própria democracia. O caminho para superar crises políticas não pode passar pela desfiguração das instituições nem pela manipulação das regras do jogo conforme a conveniência do momento. A verdadeira pacificação só virá com a consolidação do Estado de Direito e com a certeza de que a lei vale para todos, inclusive para aqueles que ousaram desafiar os pilares da República.

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