Luiz Maklouf Carvalho –  O Estado de São Paulo

“Anatomia de uma conspiração”. É esse o título do manuscrito em que o deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS) está registrando suas impressões da crise que abalou o governo desde a divulgação da gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS.

No dia 24 de maio, uma semana depois do petardo, Marun leu para o Estado um trecho do texto: “A imprensa se divide. Alguns órgãos destacam a ausência de comprometimento concreto do presidente no áudio. Já a Globo intensifica o ataque, e pede a saída do presidente. Voltei para o Planalto. Lá, encontrei o presidente abalado com o editorial. Confesso que o vi com o ânimo diminuído. Cheguei a falar alto para motivá-lo. Mas uma notícia ao mesmo tempo chocante e alvissareira começava a ser divulgada: (os jornais) Folha e Estado divulgaram que o áudio tinha edições”.

Marun deixou o chamado baixo clero da Câmara dos Deputados quando colocou o corpanzil e os argumentos na defesa incansável do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Casa, hoje preso e condenado na Lava Jato.

O parlamentar gaúcho-matogrossense foi dos primeiros a destacar-se na defesa de Temer desde a divulgação da gravação e a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), sob as acusações de corrupção, organização criminosa e obstrução da Justiça, que o presidente nega.

Ele era um dos políticos que estavam no gabinete presidencial no dia em que Temer ouviu o áudio gravado por Joesley, dia 17, e captou, no calor da hora, suas primeiras contrariedades. Não só as absorveu, como as reforçou.

Ao Estado, em seu gabinete, Marun revisitou trechos da conversa com o empresário, colocando-se no lugar de Temer. “Estou convicto de que ele vai até o final do mandato”.

Como estava o presidente no final da tarde da sexta, dia 19?

Estávamos eu e o (Darcísio) Perondi (deputado pelo PMDB-RS), na antessala do gabinete, ali por 18h30. Ele veio e sentou para conversar conosco. Estava abalado com o editorial da Globo, pedindo sua renúncia (publicado à tarde no jornal O Globo), uma declaração de guerra da maior organização comunicacional do País.

O que o presidente disse, ou comentou, que se lembre?

“Tem uma hora que isso cansa”. Aí é que eu me assustei. Vi que ele se sentia injustiçado, porque o áudio nada revela de realmente comprometedor.

Não?

Não. A verdade é que você tem que fazer conjecturas para achar o comprometimento. Afinal, o Joesley esteve 40 minutos com o presidente buscando esse comprometimento. Podia fazer perguntas mais diretas – e não fez.

Por exemplo.

“Presidente, estou aí dando R$ R$ 200 mil pro Eduardo Cunha ficar quieto e não nos incomodar”. Era uma consideração que ele poderia ter feito – e não fez. Só falou: “Olha, estou de bem com o Eduardo”.

O presidente fez considerações como essas para o senhor, para os amigos, para os correligionários que estiveram com ele?

A suspeita de edição do áudio partiu de uma manifestação do presidente. O presidente o ouviu na sala reservada, dentro do gabinete, onde tem um equipamento de som um pouco melhor. Eu não estava nessa sala. Quando ele saiu já existia alguma euforia entre nós, pelo fato de que não havia comprometimento.

O que o presidente disse, depois que ouviu o áudio?

“Gozado, eu me lembro que ele falou a palavra família, e isso não está nesse áudio.” Aí o Moreira Franco (ministro da Secretaria-Geral da Presidência) disse: “Vamos periciar esse áudio”. Eu até fui contra: “Não há hipótese desse áudio não ter sido periciado”. O Moreira disse: “É, mas pelo sim, pelo não, acho que cabe pedir uma perícia”. Eu tenho convicção de que o áudio foi editado.

A perícia é que vai dizer.

O áudio constrange, é verdade. O presidente deveria ter recebido o Joesley? Antes eu diria não. Hoje, eu não sei. Eu achava até que esse jeito de Temer, cordial, afável, aberto para as conversas, era uma coisa boa…

O senhor acredita que Temer já se convenceu de que em tudo o que foi divulgado não tem nada contra ele – e que estão fazendo tempestade em copo d’água?

Eu acho que é uma tempestade em copo d’água.

Como assim?

Durante 40 minutos um dos empresários mais preparados do País, sabendo que estava gravando, tenta obter palavras efetivamente comprometedoras do presidente da República. E não consegue.

O que é que o senhor faria, se fosse o presidente, e o empresário Joesley falasse o que falou?

Na primeira parte da conversa, em relação a qualquer pessoa que está vivendo uma dificuldade, “olha, tô de bem com ele, tô ajudando a família”, eu não faria objeção.

Qualquer pessoa, no caso, é o Eduardo Cunha. O senhor diria: “Tem que manter isso aí, viu”?

Diria. Isso não tem nada demais. Se fosse com você: um amigo foi preso, a família está passando dificuldade, vem outro amigo e lhe conta que está ajudando. Você diria: “Para com isso”? Não há punição se existe inexigibilidade de conduta diversa a que você tomar.

E na parte em que o empresário fala que está tentando cooptar um juiz, que já cooptou um procurador da República, e está tentando cooptar um outro?

Ele fala que estava buscando apoio de juízes. No caso do procurador, ele também não diz: “Comprei o procurador”. O presidente estava diante de uma pessoa que no decorrer da conversa ele viu que era um charlatão e um conversador. Imagina o presidente sair dali e dizer que a JBS comprou um juiz e dois procuradores, numa conversa que ele não gravou e não tem testemunhas. No outro dia, ele é que seria acusado.

Não seria prevaricação, então?

O Joesley diz, digamos: “Marun, eu estou aí conversando com um juiz e dois procuradores…” Ora, eu posso levar para um procurador uma posição minha em relação a um fato para fazer o cara entender que a minha versão é correta. Não quer dizer que está havendo suborno. Eu posso despachar com um juiz e dizer: “Olhe, veja aqui o meu memorial”.

O senhor está dizendo que Temer não seria obrigado a entender que envolveria corrupção?

Exatamente. Ele não diz uma coisa como “já tem dois aí que estão recebendo” nem outra coisa. O que ele diz é tipo: “Olha, já conversei com o procurador, acho que consegui convencer o cara…” É da lógica, é do processo, você vai lá, presta explicações. Teria sido correto o presidente sair ali e fazer essa denúncia?

O senhor faria?

Eu não sei se eu faria. A não ser que houvesse uma conversa clara: “Marun, dois ali eu já comprei…” Aí, não. Aí, alto lá!

Essa convicção toda que o senhor está me passando é a mesma convicção do presidente?

É a minha convicção. Quero saber também quando começaram os contatos do Joesley com a Procuradoria-Geral da República. Antes ou depois desse áudio? O Rodrigo Janot (procurador-geral da República) disse que com ele foi depois. E com a procuradoria? Como é que ele ficou sabendo que só poderia delatar se conseguisse uma coisa desse tamanho?

Como o senhor vê a postura do procurador-geral da República?

Acredito que ele tenha sido induzido ao erro. Não acredito que tenha partido dele a decisão de não periciar o áudio.

O que é que o senhor acha que vai acontecer, no curto prazo?

O presidente não renuncia. Não vai ter impeachment. E quanto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nós temos que torcer. De qualquer maneira, a decisão do TSE, se adversa, abre uma disputa jurídica na qual obviamente a Presidência vai usar todos os recursos. Por tudo isso, eu estou convicto de que o presidente completa o mandato.

 

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