Sabendo da supervalorização que os nossos concidadãos nutrem por um mundo de fantasias, não é difícil tirar certas conclusões a respeito. Para alguns, estar em evidência nas rodas sociais parece ser tão essencial quanto respirar. O mesmo ocorre quando o assunto é “estar bem” no que diz respeito às suas condições econômicas.  Estar confortável financeiramente, entretanto, não é o que mais importa. Mostrar a terceiros que está – mesmo que esteja na mais lamentável situação de penúria -, isso sim, é inquestionavelmente mais relevante que factualmente garantir as necessidades do lar. É exatamente nesse sentido que se costuma fazer um esforço sobre-humano em exacerbado prestígio ao status social que rege a vida de boa parte dos natalenses: troca-se de carro mesmo não estando em dia com as parcelas do financiamento do possante anterior, freqüentam-se eventos pomposos de entradas caríssimas no afã de tanger o ostracismo social e, o melhor, a ida a restaurantes caros e aos badalados bares e pubs da moda serve muito mais para se manter socialmente vivo e em evidência do que para se alimentar ou se confraternizar com os amigos. Mas há um motivo para tudo isso, afinal, abrir mão de ostentações de toda espécie levaria fatalmente ao que é considerado o pior e mais cruel dos julgamentos: especulações inconvenientes sobre a situação financeira do ilustre ausente do show de Roberto Carlos no Teatro Riachuelo ou dos jantares no Abade.

As estatísticas depõem favoravelmente à tese de que, de fato, satisfaz a lascívia do natalense mostrar a terceiros que é algo que está estratosfericamente longe de ser. Aqui, por exemplo, segundo o jornalista Mario Barreto em entrevista à revista Palumbo, compra-se mais Land Rovers que em Salvador, mesmo esta sendo a maior capital do nordeste – além de, naturalmente, ser uma cidade consideravelmente mais rica que Natal. No mesmo passo, os índices de inadimplência em nossa cidade quanto ao financiamento de veículos possui o mesmo viés estratosférico acima relatado. “Viver bem” – esta infame expressão que em nossas terras é deturpada pela eiva dissimulada do “querer ser”- às margens do Potengi é termo ornado de penduricalhos fúteis e patéticos. Tanto é que viver propriamente bem, satisfatoriamente feliz e confortável, mas sem seguir à risca essa supérflua cartilha comportamental, confronta diretamente a peculiar conceituação que aqui é dada a uma vida presumivelmente boa, mas simples e alheia às dívidas, símbolos e preocupações que alicerçam esse lamentável e irreal modus vivendi.
Dentre o caleidoscópio de ícones que condensam a tara do natalense por aparências, talvez o Carnatal – evento baiano realizado em terras potiguares – seja o maior deles. Aqui, o evento nutre um nível de obrigatoriedade semelhante ao dos alistamentos eleitoral e militar. Não participar do Carnatal, para alguns, não é apenas a mais escorreita heresia, mas o triste sinal da decadência de uma vida social condizente com as demandas expositivas da cidade. Chega-se a comprar suas vestimentas-ingressos antes mesmo de pagar a mensalidade da escola dos filhos e a conta de luz. Um caso ímpar onde estudar e não ficar nas trevas são rebaixados à condição de meras necessidades de segunda categoria.

Conforme já dito, na nossa cidade a maior necessidade não é estar financeira, social e profissionalmente bem, e sim parecer estar. Não tornar públicas as aparências é corpo sem alma, razão sem sentido, praia sem sol. A tese machadiana das duas almas nos leva a crer que a sanha por aparências parece, pelo visto, representar perfeitamente a alma externa do natalense. Uma lamentável munição para aqueles que nos taxam de província.

Fonte: Gustavo Barbosa