De acordo com a literatura religiosa do hinduísmo, a humanidade se encontra, atualmente, em meio a uma fase crepuscular, caracterizada como “idade sombria”. Nesta “idade cósmica” há uma deterioração generalizada da fibra moral da humanidade. A pureza original entrou em decadência. A humanidade já não respeita os costumes hierárquicos tradicionais e os ritos espirituais.

 Interessante é que este mito, da perda de uma vida paradisíaca originária da humanidade, já esteja registrado na literatura hindu, anterior ao relato bíblico do “paraíso perdido”; aos relatos poéticos clássicos sobre a “idade de ouro” e a “idade de ferro”; às tradições da busca por uma “terra sem males”; das utopias por sociedades melhores, sem as injustiças e as explorações do homem pelo próprio homem.

 No século XX, Oswald Spengler, em 1918, publicou seu livro sobre a “Decadência do Ocidente”. No Brasil temos um livro da filósofa política Hannah Arendt , que reúne ensaios biográficos sobre homens e mulheres influentes, que vivenciaram os acontecimentos dramáticos da primeira metade do século XX. A este livro foi dado o título: “Homens em Tempos Sombrios”.

 Grande parte da pregação religiosa, presente diariamente em nossas televisões, caracteriza nosso tempo como uma “idade sombria”. Estes pregadores deixam a impressão de que os homens de hoje estão nas “mãos do diabo”. Este os aflige com doenças, com descrença, com a perversão dos costumes. É a “idade sombria” da decadência, da degenerescência da humanidade. Para superar estes “tempos sombrios” dos poderes demoníacos, somente os “milagres” de Deus.

 O homem, em seu interior, é visto como um campo de futebol, onde se digladiam os times do diabo e os times de Deus. Não é certo que o time de Deus vença. E esta competição ferrenha entre Deus e o diabo aponta para o harmagedon, a luta apocalíptica final, que sinaliza o início de uma nova era, uma “era axial” de salvação da humanidade, com a superação da “era sombria” de decadência moral e cultural, que atualmente nos estaria envolvendo.

 Naturalmente, toda esta literatura de idades e tempos sombrios e de tempos paradisíacos explora aspirações e ignorâncias da humanidade. O indivíduo humano reluta em se assumir em seu momento histórico, que dura, segundo textos antigos, em média, 70 anos. Este é o tempo, dado ao ser humano na terra, para que construa a sua existência. A sua obra é a sua vida, pela qual é solicitado a demonstrar um agir de justiça, solidariedade, fraternidade e sabedoria perante seus companheiros, em um tempo que não é nem sombrio, nem paradisíaco.

Inácio Strieder