Por Murilo Rocha

 

O Brasil vai continuar por algum tempo em clima meio de velório, meio de sanatório. Enquanto alguns choram o fim de uma ilusão da redenção das mazelas de um país ou da vida via futebol, outros deliram com teorias conspiratórias ou teses pueris vindas da direita e da esquerda, ambas sem nenhuma base real.

A ressaca do massacre, realmente histórico, imposto por uma talentosa geração de jogadores alemães a um desfigurado Brasil dentro das quatro linhas, ecoa de forma tão dissonante sociedade afora justamente porque o esporte ocupa por aqui um lugar quase sempre indevido. Historicamente, e com mais ênfase de quatro em quatro anos, o futebol é usado de forma oportunista e, muitas vezes, criminosa para forjar algo como “a verdadeira alma do brasileiro”.

Em vez de batalhas emancipatórias, guerras por independência ou simplesmente lutas por melhores condições de vida em um país tão desigual, escolhe-se associar a identidade de um povo a um esporte, o qual, por uma série de razões, inclusive extracampo, calhou de ser o maior vencedor.

Não há mal algum em criar literatura em torno do esporte. Lendas, mitos, heróis e vilões são uma maneira de contar a história do futebol, sem dúvida alguma, uma das atividades mais apaixonantes criadas pelo homem. Mas no Brasil, de agora e também do passado, como também no resto do mundo, esse casamento ideológico do futebol com a política já se mostrou desastroso. O país deveria ter aprendido isso com a ditadura militar, a qual criou um clima de patriotismo para mascarar as atrocidades do regime no embalo do tricampeonato de 70. Mas não. O esporte parece estar sempre pronto a ocupar esse vazio identitário.

POR UM PAÍS MELHOR

Em 2014, com a Copa no Brasil, a Copa das Copas, o circo estava armado novamente. Até mesmo as manifestações populares, reconhecidas no ano passado como um movimento positivo de parte da sociedade contra os desmandos do país, voltaram para o limbo empurradas pelo oba-oba, pelo ufanismo irresponsável criado no Brasil desde o início do Mundial.

“Agora não é hora de protestar!”, bradava a esquerda patrocinada pelo PT. “A polícia está certa. Tem de baixar o cacete”, endossavam os conservadores de sempre. O casamento de opostos realizado sob a égide do futebol criminalizou movimentos sociais e reforçou a manutenção de aparelhos repressores.

O fato de a Copa ter dado certo – e realmente deu – não invalida o grito de quem reclama por um país melhor, com menos desigualdade social. Se a oposição queria criar clima de instabilidade usando um eventual fracasso da Copa e incitar crises, os governistas estavam prontos para jogar problemas graves para debaixo do tapete e surfar numa onda de populismo criado pelo esperado hexacampeonato. Mas aí veio o dia 8 de julho, no Mineirão, e com ele uma impiedosa “Blitzkrieg”: 7 a 1. Deus deve mesmo existir e ser brasileiro. (transcrito de O Tempo)