Por Vittorio Medioli / O Tempo

Nenhum dos atletas escalados para o jogo contra a Alemanha gostaria de ter vestido aquela camisa, já que fatalmente a história não o esquecerá. Essa derrota será uma perseguição vitalícia, um legado indissolúvel. O dia em que o mundo desabou sobre uma seleção pentacampeã.

Mais que perder uma Copa, o Brasil pagará ainda caro por ter perdido a oportunidade de resgatar inúmeras dívidas sociais com os US$ 15 bilhões aplicados no “padrão Fifa”, especialmente em estádios que ficarão aí para lembrar quanto imprevidentes e tresloucados foram os governantes do país.

A Copa serviu para fantasiar um país cheio de absurdos e desfilar num Carnaval como país desenvolvido dentro de estádios, deixando de fora 40 milhões de miseráveis que nunca terão acesso a eles – que sobrevivem de esmolas, pior, se satisfazem delas.

A Copa foi a oportunidade de pautar o Brasil internacionalmente. Passou insistentemente nas redes europeias. Estou escrevendo agora da Itália, e assisti a reportagens especiais que entraram nas favelas, nos cortiços e mostraram os “opostos”, as “lendas” do Brasil que ainda fascinam o mundo, especialmente quem não o conhece de perto.

GIGANTE ADORMECIDO

A imagem do gigante adormecido passou inúmeras vezes, esse que levanta e desafia o mundo, mas não resiste a sete golpes de um canhão alemão. A imagem passa e mostra que o gigante tem estádios de ouro e pés de barro, que o farão recair a partir de hoje em seu berço esplêndido. Aí voltará a roncar imerso em contradições, sonhos e pesadelos.

Mostrou-se com inequívoca precisão, exatamente, o delírio de governantes que convivem perdulariamente com opostos e desigualdades, fazendo demagogia barata, improvisando sem planejamento, explorando o analfabetismo funcional que crassa na população. Lembram-se das quase 40 milhões de pessoas morando em favelas, apinhadas em morros, sem saneamento, em volta de estádios monumentais, que depois da Copa ficarão como elefantes brancos, para consumir gastos de manutenção.

Aparece nas telas que, no Brasil, o sistema de saúde, ainda, existe apenas para quem tem dinheiro para pagar; já para os barnabés, fica a triste desolação de ambientes que rivalizam em asseio com os matadouros do maior exportador de carne do planeta.

A imprensa anotou as vaias e os palavrões contra Dilma no dia da estreia. Assustou a forma de se receber uma autoridade, “Presidenta”. Jornalistas de línguas latinas estranharam o “enta”, que soa de maneira estranha a quem mastiga a gramática “latina” elementar.

USURPAÇÃO

Presidenta, fazia-se notar, é uma usurpação, um acinte linguístico pretensioso de quem, mais que interessada em feminismo, se estigmatiza pelo estupro da língua pátria. Mussolini cunhou para si o apelido de “Duce”, tirando-o das glórias de conquistadores como Júlio César, Pompéu, Otaviano e Scipione, que fizeram a grandeza de Roma. Na Rússia, os reis/imperadores assumiram o “Czar”, inspirando-se nos inefáveis Césares; Hitler adotou para si o titulo de “Fuhrer”; enquanto Napoleão o antecedeu no século XIX com o clássico “Imperador”. Todos, com a sensatez mínima de respeitar as raízes históricas e a gramática.

Jornalistas se perguntavam, nesses dias, como uma pessoa pode se gabar de entrar na história com um título que assassina a sua língua. Também fizeram da PresidentA uma inevitável comparação com a singela e cometida chanceler alemã Ângela Merkel. Uma delas figura desenvolvendo um país que passou por provações e destruições terríveis; a outra, “destroçando” a economia de um país que poderia crescer a um ritmo bem superior ao da “pobre” China e ao do “formigueiro” da Índia. Países, ambos, que conseguiram nos últimos 12 anos crescer quase sete vezes mais que o mais aquinhoado, por natureza, dos Brics.

A derrota, em si, destaca a imprensa, não arranhou o brilho de um povo acolhedor e alegre, simples e hospitaleiro, imerso numa natureza majestosa e deslumbrante. Isso pelo menos ficou e serve para simpatizar o brasileiro. O “made in Brazil” saiu ganhando. Quem perdeu mesmo de 7 a 1 são os governantes, a elite tupiniquim que ainda precisa explicar como se pode optar por estádios sem ter escolas e hospitais. Carecendo, ainda, endemicamente de portos e de metrôs, mas pensando em trem-bala.

Enfim, o cabalístico sete, número “divino” por excelência, sacramentaliza a somatória dos erros de quem não conseguiu aproveitar de seus talentos para se defender e menos ainda para atacar.

50 MIL HOMICÍDIOS

A Copa permitiu ao mundo refletir e não encontrar explicação pelos 50 mil homicídios que se contabilizam no país em apenas 12 meses. Outro 7 a 1 em mortes violentas comparando-se com as mortes do Afeganistão e do Iraque, que vivem a guerra civil. Não bastasse, pareceu que aqui se desenvolveu um dos maiores mercados de consumo de drogas, invadido pelo pó da Bolívia, do “aliado” Evo Morales, a quem dispensamos do bom e do melhor.

Os distúrbios em volta dos estádios fizeram aparição também nas telas, estarrecendo a violência com que eram reprimidos com “clava forte”, destacando que uma minoria estudantil, insatisfeita, não se conforma com os gastos faraônicos da Copa.

Destaque para o gigante, tomado por governantes aloprados e perdulários, que se aproveitam da ignorância funcional de um povo amansado por esmolas, que, ainda, não conta com uma oposição no sentido correto e democrático da palavra. Todos se esbaldando de hipersalários e de mordomias.

Pois é, o gigante não conseguiu se levantar nem desta vez. A sensação é que voltará a roncar, que a democracia tão almejada continua uma ingênua “criança” engatinhando em volta de seu “berço esplêndido”. Mais lágrimas, não só de torcedores, marcam “a maior derrota”.