Por Vinicius Torres Freire – Folha de S.Paulo

O governo teve pequenas sortes na economia. Não é a salvação da lavoura arrasada, mas contribui para a discreta e ainda incerta melhoria de ânimos neste início de ano.É sorte porque caiu no colo, porque pouco ou nada resultou de ações do governo. Porque choveu na horta, em parte literalmente.

O preço das mercadorias exportadas pelo Brasil aumentou em relação ao das importadas (houve aumento dos “termos de troca”), o que costuma dar uma mão extra na valorização do real. Depois de quatro anos em baixa, os termos de troca melhoraram a partir de fins de 2016.Uma calmaria inesperada na finança e na economia mundiais, taxas de juros altas e a administração econômica mais razoável devem ter feito o resto desse serviço cambial.

Um “dólar mais barato” contribui para a baixa da inflação. Inflação e juros menores são das poucas transfusões de sangue disponíveis para o paciente crítico que é o Brasil.Choveu na horta, além do mais. O tempo bom contribuiu para a safra excelente, o que deu um talho adicional na taxa de inflação. No semestre que passou, os preços da comida subiram quase nada, inédito em mais de uma década.

Esse e outros sucessos da agropecuária colocam parte da economia em movimento. Parte pequena. Mas se move. Ganhos de comércio, de resto, devem dar um piparote na renda, para cima.É tudo impulso miúdo, mas nem é preciso lembrar que passamos por uma catástrofe que ganhava ares de depressão. Tratou-se de um alívio na situação da virada de 2016 para 2017, quando pareceu haver risco de recaída feia na recessão, o que ainda é possível.

Sim, essas chuvas na horta podem ser passageiras. Enfim, há sempre o risco de um dólar barato além da conta ter efeitos colaterais, matar brotos verdes mínimos da recuperação em algum setor da indústria. O real se valoriza, o custo salarial real “em dólar” volta a subir, embora esteja longe das alturas de 2010-2014. Era um tempo de economia inflacionada, de “tudo caro no Brasil”, de dólar a R$ 1,60, do Bolsa Miami, para ficar no anedótico, o que ajudou a arrebentar a indústria (ênfase no “ajudou”. Não foi só isso).

Em português claro, contenção de custo significa achatamento dos salários reais, que ainda perdura. Ajuste é isso, mais ou menos, a depender do tamanho da besteira que se fez na administração da economia (nosso caso) ou do choque econômico.Essas sortes têm animado o pessoal do mercado financeiro. Estão comprando Brasil como se houvesse muito amanhã. Tomara que a especulação esteja certa. Mas, mesmo nos termos das apostas do “mercado”, há nuvens adiante.

A turma parece esquecida de quão difícil vai ser evitar um deficit primário ainda mais estourado do que o previsto. Há uma confiança risonha, franca e excessiva na aprovação da reforma da Previdência, que não está com cara alguma de ser o passeio que foi a PEC do teto de gastos. Governo impopular, reforma impopular e os primeiros pensamentos sobre a eleição de 2018 estão deixando os parlamentares inquietos.

A PEC do teto era quase uma abstração. A Previdência é um eleitor que passa na calçada do escritório político dos deputados do interior pobre, quase todos.