Via Blog do Magno

Num belíssimo e oportuno artigo postado neste blog, sábado passado, o jornalista Marcelo Tognozzi lembrou o papel que o ex-presidente Sarney vem exercendo, em reserva, aos 91 anos, em Brasília, cidade que adotou para viver após seu último mandato de senador. “Virou uma espécie de Oráculo de Delfos”, definiu, ao explicar que a casa de Sarney passou a ser frequentada por quem precisa de respostas, aplacar medos e angústias.

Sarney é uma das últimas pérolas do reinado da conciliação de um Brasil que assistiu Tancredo Neves, um dos seus ícones, a estender a mão para consolidação, sem traumas, do processo de redemocratização do País. Como vice de Tancredo, a quem sucedeu antes mesmo da velha raposa mineira chegar ao poder, arrastado para sepultura às vésperas da sua posse, Sarney comeu o pão que o diabo amassou, engoliu sapos, mas fez a transição.

Tudo isso com a ajuda de um grande brasileiro, que marcou a sua vida pelo diálogo, verdadeiro apagador de incêndios: Marco Antônio de Oliveira Maciel, o Marco de Pernambuco. Fernando Henrique Cardoso, que há pouco completou 90 anos, vivia agradecendo a Deus por ter caído do céu um vice de atributos invejáveis. Ulysses Guimarães, que morreu no mar sem seu corpo nunca ter sido achado, dizia que Maciel era imprescindível ao Brasil.

A era Bolsonaro instalou o Brasil dos insultos, dos ataques entre poderes, da agressividade verbal, quase física. Ninguém se dá mais ao respeito, ninguém constrói pontes alicerçadas em palavras sábias, que busquem, em primeiro lugar, o bem do País. As instituições estão vilipendiadas, ultrajadas. Dizem que o hábito faz o monge.

Na verdade, quando olhamos para um monge, não imaginamos o processo que o levou até ali. O segredo é o hábito. Essa frase sugere que, a partir do uso frequente de bons hábitos, é possível alcançar o estado desejado. No Brasil de hoje, se persegue os maus hábitos. Um poder xinga outro. Ouvi muito de Marco Maciel algo que, nos dias atuais em Brasília, está fora de mora: a liturgia do poder.

Sem liturgia, cada governante cria e exercita suas manias. Idi Amin, ditador de Uganda, dizia que conversava com Deus “sempre que necessário”. Outros se colocavam em pé de igualdade com Deus. Em Gana, o ditador Nkrumah era comparado a Confúcio, Maomé, São Francisco de Assis e Napoleão. Franco proclamava-se “Caudilho da Espanha pela graça de Deus”. Bolsonaro não poderia ser diferente. Há quem diga que seu estilo de ir para a ofensiva, usando um linguajar fora do padrão da liturgia, é obra do seu próprio universo. Ouvi em Brasília, por esses dias, que o presidente fala para o seu público, para a sua seita.

Cada governante, a seu modo, se esforça para lustrar a imagem, trocando a semântica pela estética. Quando exageram, a imagem se esfarela. O povo percebe. Por isso, alguns sobem, outros descem. No caso de Bolsonaro, se esfarela, conforme apontam as pesquisas. Talvez lhe falte um conselheiro da estirpe de Marco Maciel.

Fica o recado – Um presidente, um magistrado ou um parlamentar, qualquer autoridade deve vestir o manto litúrgico sob os valores do respeito, da ordem, da credibilidade, da disciplina, da norma. Quando um deles maltrata essa liturgia, rebaixa o seu conceito. Deve-se respeitar as pessoas como elas são. Mas todos devem preservar a ordem para o cumprimento de suas tarefas.