Por Estadão

Ao defender, em entrevista publicada pelo Estadão na sexta-feira 13 de agosto, que a formulação de um projeto de longo prazo deveria prevalecer sobre a escolha de candidatos às eleições presidenciais de 2022, a ex-senadora Marina Silva, principal referência da Rede Sustentabilidade, pôs o ovo em pé. Deixou suspensa no ar a questão que deveria estar nos cálculos dos políticos em ação, mas que teima em ser deixada de lado.

E OS PROGRAMAS? – Há uma fixação nacional pelo nome, pela pessoa que encarnará as aspirações dos diferentes setores da sociedade, ou que ao menos acene com uma perspectiva. Faz-se isso sem que se pergunte o que cada aspirante executará caso vença as eleições e o que oferecerá aos eleitores para que avance.

Se girarmos o periscópio, veremos que hoje há dois nomes ocupando o palco, os óbvios Lula e Bolsonaro, e um monte de gente querendo nele subir. Os que já se consideram candidatos nada apresentam de concreto, a não ser a promessa de “voltar ao passado generoso” ou de incrementar a “destruição do sistema”.

Há uma expectativa de que o centro democrático, um pouco inclinado à esquerda, chegue a algum consenso e apresente um postulante com alguma viabilidade. A centro-direita também se mexe, insuflada pelo PSD de Gilberto Kassab. E há os avulsos de sempre, ávidos por um lugar ao sol.

HÁ UMA NÉVOA – Frestas e possibilidades estão dadas. Existem de fato. Mas uma névoa recobre tudo, e vai assim alimentando as pretensões dos dois que já pisaram o palco, de certo modo estreitando as opções. Interrogações se acumulam, deixando atônitos os cidadãos. Há muito movimento, mas a paralisia se faz sentir. Faltam ideias, sinalizações substanciosas, que deem materialidade às articulações anunciadas.

Nesse contexto, a questão derivada da entrevista de Marina faz todo sentido: supondo que estejam a testar suas forças para então convergirem em torno do nome mais viável, por que é que Ciro Gomes, Luiz Henrique Mandetta e Eduardo Leite não põem as cartas na mesa e formulam ao menos uma ideia geral do que pretendem para o País?

Teriam um projeto, um plano, um programa, pelo qual se comprometeriam a lutar e que sustentaria o compromisso dos três em seguir unidos às urnas do ano que vem. Dariam uma demonstração cabal de que a “terceira via” tem musculatura e consistência, mais do que boas performances de políticos que estão hoje a se apresentar em debates. Seria um importante esforço para ir além das boas intenções com que se têm movido até agora.

BELO DIAGNÓSTICO – Marina Silva foi aguda em seu diagnóstico: “Quando você estreita os caminhos em torno de escolher o que já está posto, não é escolha. A escolha pressupõe um terceiro. E quando um terceiro ainda não existe, a gente tem de trabalhar para construí-lo”.

A construção deste “terceiro” nome está longe de ser algo simples, nesse País politicamente tão fragmentado e no qual os partidos contam menos a cada dia. Exige pertinácia, resiliência e desprendimento, valores que são escassos no mundo da política.

Passa por articulações delicadas, que precisam levar em conta interesses locais e regionais. Numa hora agônica como a atual, porém, tal construção deveria ser encarada como uma tarefa democrática de primeiríssima grandeza, a expressar o encontro de uma síntese que ponha o Brasil em outro patamar.