Por Marlen Couto / O Globo

Senador por mais de três décadas, até decidir se aposentar da carreira política em 2014, Pedro Simon, hoje com 91 anos, se diz “angustiado” com a “radicalização” no cenário eleitoral, representada, na sua avaliação, pelas candidaturas do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ao Globo, o experiente ex-parlamentar classifica como difícil uma articulação que garanta a unidade da chamada terceira via, campo que reúne partidos de centro e se coloca como alternativa à polarização.

Estamos a menos de um ano da eleição de 2022. Como o senhor vê a disputa?
Estou angustiado com a radicalização entre Lula e Bolsonaro e preocupado se teremos um pleito normal. Eu me pergunto se não é hora de buscarmos um encaminhamento tranquilo, sereno e responsável. Aqueles que têm preocupação com a busca do bem comum têm que estar presentes para encontrarmos um entendimento. Estamos em uma época cruel. Já vivemos uma ditadura, na qual a imprensa não podia se manifestar. Hoje, é o contrário: há tanta informação e desinformação, uma avalanche de ideias e propostas controvertidas, que ficamos incapazes de saber o que fazer. Os que têm bom senso têm que estar presentes. Não é possível a maioria ficar silenciosa.

A polarização entre Bolsonaro e Lula é uma constante, segundo as pesquisas. O que explica esse cenário?
O Lula é um candidato que tem uma história, e Bolsonaro é o atual presidente. Fora isso, há ainda muita indefinição entre os partidos políticos. São 30 partidos, mas poucos têm representatividade. A maioria é sem conteúdo, sem ideias. O PSDB, por exemplo, vai no caminho certo ao debater internamente uma candidatura com as prévias.

Haverá unidade na chamada terceira via?
É muito difícil. O MDB, que é um grande partido, ainda não tomou uma decisão, mas na minha opinião deve ter um candidato. Não sabemos como serão feitas as coligações. Um fato novo que apareceu é a possibilidade de uma coligação permanente (federação), o que seria interessante.

Diante da sua experiência no Senado, como o senhor avalia a condução da CPI da Covid?
A discussão tinha que ser ampla e foi. Agora, é dura porque, ao mesmo tempo em que a comissão estava trabalhando o tema da Covid, a pandemia estava sendo vivida diariamente e de forma diferente em cada momento. Não é uma CPI para investigar coisas que ocorreram no passado, mas que funcionavam concomitantemente. A CPI é impressionante, porque envolve toda a situação dramática do país. O presidente podia ter se tornado um grande herói, ter se esforçado e lutado contra a pandemia, que era a missão natural dele, mas passou a se colocar como um inimigo do combate à Covid. A CPI trouxe ao debate o que o presidente devia ou não devia fazer. Há ações erradas que devem ser punidas, mas, apesar dos pesares, o Brasil entrou no caminho certo e tem agora um bom desempenho.

O Brasil entrou no caminho certo com a ajuda da CPI?
Acredito que sim. Com o trabalho que a CPI fez, cada um quis se defender e fazer sua parte. Da parte do governo, apesar de todo o comportamento por parte do presidente, não faltou dinheiro. Os governadores e prefeitos também, pela pouca presença do presidente, avançaram e fizeram um papel importante.

O senhor já declarou que a democracia “vai bem” com Bolsonaro, sob o ponto de vista institucional. O senhor ainda pensa da mesma forma?
Há vários Bolsonaros. Naquelas entrevistas que está acostumado a dar na saída do Palácio da Alvorada ao lado de simpatizantes, ele diz as coisas mais imprevisíveis, inclusive coisas negativas para si. Bolsonaro sempre será uma interrogação sobre o que faz, o que quer e qual será realmente sua posição. Passamos por um momento difícil no 7 de setembro, naquela mobilização que levou a um conflito entre o presidente e o Supremo. Passamos por obstáculos para nossa democracia, mas isso se estabilizou. O mais difícil já passou.

As instituições se fortalecem?
O Congresso tem atitudes com as quais tenho preocupação do ponto de vista da defesa da democracia e da liberdade. Um exemplo foi a proposta para alterar a estrutura do Conselho Nacional do Ministério Público (derrotada pela Câmara na semana passada). Já o Supremo tomou uma grande decisão quando permitiu a prisão após condenação em segunda instância e, de repente, voltou atrás. Toda a caminhada que fizemos para fortalecer o combate à corrupção praticamente está sendo jogada fora.