Por Ruy Fabiano

 

Lula continua encenando o papel de presidenciável. Sabe que as chances reais de exercê-lo de fato são tão remotas quanto as de Dilma Roussef voltar à vida pública. Lula é réu em cinco processos criminais – e em breve o será de outros mais, podendo ser preso a qualquer momento.

Queixa-se com frequência de que já não pode comparecer a locais públicos sem ouvir desaforos. Viajar em aviões comerciais, nem pensar. Viaja em jatos particulares, cedidos por amigos. Hoje, só fala a plateias amestradas – e mesmo aí já enfrenta resistências. Na quinta-feira, por exemplo, num encontro em Brasília, foi vaiado pelo PSTU, legenda da esquerda radical que o considera um traidor da causa. E a causa, óbvio, é a revolução, abandonada ou negligenciada na medida em que Lula enriquecia e se aburguesava.

Com todas essas credenciais adversas, Lula insiste, como disse esta semana em Salvador, em que, “se for necessário”, voltará a disputar a presidência da República. Não esclarece que necessidade seria essa. Do país, seguramente, não é. O rastro de destruição – política, econômica, social e moral – que o período por ele inaugurado, em 2003, e encerrado em 2016 com Dilma, deixou confere-lhe uma das maiores taxas de rejeição de toda a história. Dilma é parte de sua obra, concluída com um impeachment e a revelação do maior escândalo de corrupção já visto em todo o mundo. Corrupção e má gestão, soma fatal, que impôs ao país a crise atual, da qual procura acusar os que a herdaram.

Diante de tal cenário, sua candidatura a presidente só não é uma piada porque serve a uma causa real: sua blindagem, pessoal e política. Mantendo-se presente e atuante no cenário público, dá concretude àquilo que dele falou o presidente Michel Temer, a quem finge odiar, mas com cuja complacência tem contado.

Temer, numa recente entrevista ao programa Roda Viva, se disse contrário à prisão de Lula por achar que tumultuaria a paz pública. Com isso, conferiu-lhe um prestígio que já não tem – e o transfigurou em salvo conduto, inibindo, de maneira oblíqua, a ação dos que têm a responsabilidade de fazê-lo pagar por seus delitos.

Não parece ter sido por mera simpatia que o fez. Temer receia o que está por vir – as delações, sobretudo as da Odebrecht – e parece inclinado a estabelecer um armistício com o PT, de que dá testemunho a preservação de aliados da velha ordem em cargos estratégicos da administração pública.

PMDB e PT, afinal, foram parceiros. Embora o comando da Organização Criminosa (nas palavras de Celso de Melo, do STF) coubesse ao PT, o PMDB desfrutava de alguns feudos dentro da máquina pública, de que dão notícias operações da Polícia Federal.A mais recente delas, ontem efetuada, flagrou uma rapina organizada dentro da Caixa Econômica Federal, entre 2011 e 2013, envolvendo o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o vice-presidente daquela instituição, Geddel Vieira Lima, até há pouco ministro do núcleo duro do governo Temer.

Para sorte de Temer, Geddel caiu antes desse escândalo, por outro comparativamente menor. Mas a lama do PT, como é óbvio, salpicou também – e com frequência – no PMDB.Lula investe nisso ao atacar o governo Temer, ao tempo em que busca um protagonismo oposicionista, que o transfigure de mero (ou por outra, mega) gatuno em perseguido político.

É um jogo esquizofrênico em que, de um lado, pede a cabeça do presidente da República e, de outro, manda PT e aliados apoiar o candidato do Planalto à presidência da Câmara, Rodrigo Maia. Claro está, portanto, que não postula a presidência para valer; quer apenas tornar mais complexa ou mesmo impossível a operação de colocá-lo atrás das grades. Joga sua cartada final.