Por Elio Gaspari, O Globo

A ideia foi a mesma: eleições já. Ela apareceu há cerca de três semanas, num momento reservado de desabafo do presidente Michel Temer. Voltou pela voz do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa nota com trechos crípticos que recomendam sua transcrição: “A ordem vigente é legal e constitucional (…) mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto.”

FHC afastou-se da liturgia constitucional da escolha do novo presidente pelo Congresso. Isso não é pouca coisa. Nas palavras dele, se a pinguela “continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.” Essa manobra requer emendas constitucionais e mudanças profundas na ordem política. Temer poderia fazer um “gesto de grandeza” renunciando ao mandato. Mas, “eleições gerais” exigiriam a renúncia de todos os governadores e parlamentares.

Os interessados em recuperar seus mandatos estariam obrigados a disputar uma eleição suicida. Os prazos legais para tamanhas novidades tornam a ideia inviável, mas FH colocou na mesa o ingrediente do tamanho da crise. A confusão que ele antevê, ainda não chegou, mas será capaz de comer detalhes e prazos.

A abolição da escravatura foi discutida por mais de 50 anos, mas a tramitação do projeto que liquidou a fatura durou apenas 64 dias. A ideia de instituição do parlamentarismo rondou o Congresso por décadas, mas durante a crise de 1961, com o país à beira da guerra civil, a emenda constitucional que instituiu a nova forma de governo foi aprovada em 48 horas. O“gesto de grandeza” de Temer resolveria muitos problemas. De saída, o dele, que poderia sair do palácio de cabeça erguida. Resolveria também o dilema do PSDB, que não consegue decidir se fica ou sai do governo. Com uma eleição antecipada, o governo sairia do PSDB. Uma eleição livre, sem regras de incompatibilização ou exigências de filiação partidária daria um banho de detergente no cenário político nacional.