Por Ruy Fabiano

Quando a conjuntura política condiciona-se a uma operação policial – e não a fatores econômicos e sociais -, torna-se impossível prever não o fim do mês ou da semana, mas o fim do dia. Tem-se então o inferno dos profetas.

A política brasileira está no banco dos réus e seus agentes correm o risco de trocar os luxuosos carros oficiais de chapa branca por camburões da Polícia Federal; os gabinetes por celas.

A capital do país transferiu-se para Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal, promove o maior strip-tease moral da história política do país.

Quem será o próximo preso? Quem fará a próxima delação premiada? Que revelações trará? Quais novas “vítimas” produzirá? – são perguntas que sacodem a economia mais que a taxa de juros ou o câmbio, que, por sua vez, refletem o quadro geral de imprevisibilidade, que paralisa o país e aumenta o flagelo social.

Uns falam em mais de 50 políticos outros em 100 correndo risco de prisão, inclusive o ex-presidente Lula. Os principais empresários do país, que até há pouco circulavam com desenvoltura no Palácio do Planalto e no Congresso, já estão no xadrez ou em prisão domiciliar, portando tornozeleiras eletrônicas.

São eles a caixa preta da aeronave do poder, a memória das tenebrosas transações, que permearam toda a história da república, mas que, numa proporção inédita, marcaram estes 13 anos de reinado petista.

Ao tempo do regime militar, o Almanaque do Exército era o oráculo dos políticos; era preciso saber quem estava na lista de promoções, quem era moderado, quem era linha-dura, sem o que não era possível prever ou planejar coisa alguma.

As ordens do dia balizavam a conjuntura, mostrando para que lado o vento soprava. A política estava nos quartéis; hoje está nos tribunais. A referência são os despachos do juiz Sérgio Moro e as denúncias dos procuradores. Saiu-se da caserna para a delegacia policial – e, como disse o falecido Joelmir Beting, tem-se não mais presos políticos, mas políticos presos.

A pergunta-chave, no Congresso e no Planalto, indica o estado geral de perplexidade: aonde vai dar tudo isso? Os paradigmas clássicos da impunidade estão sendo varridos.

Lula queixou-se de Dilma e de José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça, por terem deixado as coisas chegarem a esse ponto. Ora, se Dilma e Cardoso pudessem, já teriam feito o que Lula quer: cancelar a operação Lava-Jato e silenciar Sérgio Moro.

Teriam impedido que o pesadelo sequer começasse. Mas são impotentes diante dos fatos. O momento não é de adjetivos, mas de substantivos. Os fatos, não as opiniões, estão no comando.

Lula esperneia, não compreende ainda que os tempos mudaram. Processa a revista Veja por ter revelado parte de sua trajetória e de suas relações promíscuas no poder. Pensa que, quebrando o termômetro (no caso, a imprensa), fará cessar a febre.

Ele, como outros, acha que é possível deter a Lava-Jato. Nem mesmo o juiz Sérgio Moro o conseguiria. O processo ganhou autonomia, reforçado pela musculatura da opinião pública.

Dois fatos da semana indicam que ainda há, entre réus e investigados, esperanças de um retrocesso moral. São eles: a defesa de Marcelo Odebrecht encaminhada a Sérgio Moro e o recuo do empresário Léo Pinheiro em fazer a delação premiada.

Odebrecht pedira a Sérgio Moro que ampliasse o prazo para que explicasse o conteúdo das mensagens cifradas de seu celular – que de cifradas, na verdade, nada têm: são explícitas e oferecem detalhado mapa dos delitos praticados.

Sua defesa, no entanto, paradoxalmente, não apenas não explicou nada, como ainda lançou desaforos ao juiz, o que indica que passou a contar com a expectativa de proteção superior, que a dispense explicações. O mesmo parece implícito na desistência da delação premiada por parte de Léo Pinheiro. Que ele a faria era fato mais que sabido em Brasília, mas algo o deteve na última hora: a esperança, soprada em seu ouvido, de não ser necessário fazê-la. Portanto, expectativa de proteção superior, também.

Marcos Valério serviu-se do mesmo raciocínio e acabou amargando três décadas no xadrez. Nem esse exemplo parece ter convencido alguns de que os tempos são outros.

Não há mais proteção superior, o que explica decisões recentes de magistrados do STF e do STJ, confirmando decisões de Sérgio Moro, na contramão dos interesses da turma do PT, que sempre contou com a benevolência de aliados nessas cortes.

Agosto já chegou. O Congresso estava em recesso, mas a 13ª Vara não. Dilma caiu na besteira de brigar com Eduardo Cunha, presidente da Câmara, que tem em mãos nada menos que 13 pedidos de impeachment (haja numerologia: 13 é o número do PT; 13ª é a Vara que o apavora; 13 são os pedidos de impeachment; 13 são os anos em que o partido governa o país).

Reaberto o Congresso, retoma-se a agenda apocalíptica: instalação das CPIs do BNDES e dos Fundos de Pensão – e quem sabe da Eletrobras, que, por uma correia elétrica de transmissão, ligou-se ao escândalo da Petrobras. E há ainda a própria CPI da Petrobras, que prevê depoimentos e acareações explosivos.

Mais: o TCU examinará as pedaladas fiscais de Dilma e as remeterá ao Congresso. O TSE examinará denúncias de financiamento da campanha de Dilma com propinas do Petrolão. A hipótese TCU poderá trocar Dilma por Michel Temer. A do TSE poderá afastar ambos e impor novas eleições.

O meio político dá como certa a saída de Dilma e a ascensão de Temer. É a hipótese mais branda, pela qual a maioria torce, na expectativa de redução de danos. Mas os danos parecem mais propensos à expansão que à redução.

Dia 16, nova megamanifestação de rua em todo o país pedirá não apenas a saída de Dilma, mas o fim da Era PT.

Até lá, a caixa de lenços de papel da Lava-Jato continuará seu rito implacável: uma denúncia puxando outra, que puxa outra e mais outra, num moto perpétuo paralisante.

Aonde tudo isso vai dar? Quando isso vai acabar? Não há profetas disponíveis para responder. O futuro é uma incógnita – e poderá ter produzido novas perguntas para novos fatos no exato momento em que este artigo estiver sendo lido.